quinta-feira, 12 de maio de 2016

Tudo acaba ali ...

Aquela brisa afagava-lhe o rosto que prazenteiramente expunha aos raios de sol que despontavam por entre a teimosia de algumas nuvens.
Era aquele misto de natureza e serenidade que lhe devolvia a energia, o ânimo, a paz e a esperança.
Perdia-se na observação de um horizonte longínquo, como se procurasse no seu limite a resposta ou a luz para muitas das questões que lhe assolavam a mente e a inquietude diária. O recorte da costa, o ondular do mar, as gaivotas que no seu voo  desenhavam as mais diversas imagens, algumas crianças  numa brincadeira feliz a desafiar  o rebentar das ondas.
Sim, tudo era perfeito. Ali. Naquele espaço. Naquele  momento.
Os passos de Ana faziam-se ouvir no deck atrás de si. Conhecia-os como ninguém. Se apressados, eufóricos, numa vontade de tudo querer abraçar, e tudo querer viver, ou se cadenciados, arrastados, tristes,  a acusar o peso “do mundo” sobre si…
Ana, era aquele tipo de amiga/irmã/cúmplice, meio furacão, meio chaise-longue. Para ela os limites eram um desafio diário, ávida de vida, de saber, de conhecer, inconformada por natureza, amiga do seu amigo, com uma capacidade enorme de dar. Parecia ter luz própria e dela emanavam energias que facilmente contagiavam quem estivesse em redor. Por isso o diálogo era fácil e as horas corriam como se não existisse relógio.
Ana caminhava devagar, marcando os passos, como se de um ritmo de balada lenta se tratasse. Ummmm, “alguma coisa não está bem”, pensou. Ana apresentava um semblante carregado, triste, e no alto do seu metro e setenta e cinco, os olhos deixavam ainda transparecer as lágrimas. O desalento era evidente.
“Ana, que se passa?”, perguntou-lhe entre a aflição e a vontade de tudo querer resolver logo ali. Depois de dois eternos minutos de silêncio Ana soluçou, como se quisesse exorcizar naquele preciso momento todo o mau estar que sentia, toda a revolta que a assolava.
Após tentativas de a tranquilizar, e por entre frases desconexas e soltas, percebeu. O melhor mesmo era deixar Ana desabafar, falar, falar tudo o que lhe ia na mente e na alma, dar largas ao seu inconformismo, e escutar.
A brisa estava agora mais fresca, os raios de sol mais ténues, o barulho das crianças era menos intenso, as gaivotas pousavam na areia, e as bebidas pedidas, ali estavam, à espera.
A dor de Ana era imensa. Tinha acabado de receber a notícia da perda de alguém que lhe era muito próximo. De alguém para quem a vida tinha deixado de fazer sentido há muito, mas que nunca deixou de lutar. Por isso o admirava. “Porquê esta sociedade fútil, falsa e disfarçada? Porquê uma competição desmedida e despudorada para atingir lugares ou bens materiais a qualquer preço? Porquê um mundo com tanta gente má, dissimulada, falsa, invejosa, se no final, todos acabamos da mesma forma?” Ana, a quem alguns amigos se referiam nos seus cometários como extremamente inteligente, dona de uma imensa vontade, mas que ao mesmo tempo denotava alguma ingenuidade, lidava muito mal com o desamor e com a falta dos princípios básicos de educação e de cidadania. Utópico o seu mundo? Para alguns talvez.  Outros pensarão que, no entanto, são as Anas deste mundo, inconformadas, lutadoras, quiçá rebeldes, mas ao mesmo tempo doces, que poderão trazer alguma réstea de esperança na mudança.
De repente, por entre trocas de palavras, frases metafísicas, factos reais, e uma enorme derivação de assuntos, como era normal nos seus encontros, olharam para a mesa onde as bebidas permaneciam intactas, e em simultâneo gargalharam. Portugal. Sim, sem que se tivessem apercebido tinham pedido uma vermelha e uma verde, que lhes faziam lembrar o país. Distante. As saudades apertaram. O rostos das suas vidas vieram-lhes à memória. Riram das recordações mais caricatas. Lacrimejaram pelo aperto no peito. E ali, onde a tarde ia já avançada, decidiram: voltar.  Afinal, a perfeição não existe, o mundo ideal é um sonho, e se de sonhos se tratava, então que sonhassem junto dos seus.
Ana,   iria certamente prosseguir com as suas lutas agarrada às suas convicções, e Maria, continuaria no seu registo mais tranquilo, comprometido, mas sempre disponível e atenta.
Afinal, um dia,  tudo acaba ali…