Aquela brisa afagava-lhe o rosto
que prazenteiramente expunha aos raios de sol que despontavam por entre a
teimosia de algumas nuvens.
Era aquele misto de natureza e
serenidade que lhe devolvia a energia, o ânimo, a paz e a esperança.
Perdia-se na observação de um
horizonte longínquo, como se procurasse no seu limite a resposta ou a luz para
muitas das questões que lhe assolavam a mente e a inquietude diária. O recorte
da costa, o ondular do mar, as gaivotas que no seu voo desenhavam as mais diversas imagens, algumas
crianças numa brincadeira feliz a
desafiar o rebentar das ondas.
Sim, tudo era perfeito. Ali.
Naquele espaço. Naquele momento.
Os passos de Ana faziam-se ouvir
no deck atrás de si. Conhecia-os como ninguém. Se apressados, eufóricos, numa
vontade de tudo querer abraçar, e tudo querer viver, ou se cadenciados,
arrastados, tristes, a acusar o peso “do
mundo” sobre si…
Ana, era aquele tipo de
amiga/irmã/cúmplice, meio furacão, meio chaise-longue. Para ela os limites eram
um desafio diário, ávida de vida, de saber, de conhecer, inconformada por
natureza, amiga do seu amigo, com uma capacidade enorme de dar. Parecia ter luz
própria e dela emanavam energias que facilmente contagiavam quem estivesse em
redor. Por isso o diálogo era fácil e as horas corriam como se não existisse
relógio.
Ana caminhava devagar, marcando
os passos, como se de um ritmo de balada lenta se tratasse. Ummmm, “alguma
coisa não está bem”, pensou. Ana apresentava um semblante carregado, triste, e
no alto do seu metro e setenta e cinco, os olhos deixavam ainda transparecer as
lágrimas. O desalento era evidente.
“Ana, que se passa?”,
perguntou-lhe entre a aflição e a vontade de tudo querer resolver logo ali.
Depois de dois eternos minutos de silêncio Ana soluçou, como se quisesse
exorcizar naquele preciso momento todo o mau estar que sentia, toda a revolta
que a assolava.
Após tentativas de a
tranquilizar, e por entre frases desconexas e soltas, percebeu. O melhor mesmo
era deixar Ana desabafar, falar, falar tudo o que lhe ia na mente e na alma,
dar largas ao seu inconformismo, e escutar.
A brisa estava agora mais fresca,
os raios de sol mais ténues, o barulho das crianças era menos intenso, as
gaivotas pousavam na areia, e as bebidas pedidas, ali estavam, à espera.
A dor de Ana era imensa. Tinha
acabado de receber a notícia da perda de alguém que lhe era muito próximo. De
alguém para quem a vida tinha deixado de fazer sentido há muito, mas que nunca
deixou de lutar. Por isso o admirava. “Porquê esta sociedade fútil, falsa e
disfarçada? Porquê uma competição desmedida e despudorada para atingir lugares
ou bens materiais a qualquer preço? Porquê um mundo com tanta gente má,
dissimulada, falsa, invejosa, se no final, todos acabamos da mesma forma?” Ana,
a quem alguns amigos se referiam nos seus cometários como extremamente
inteligente, dona de uma imensa vontade, mas que ao mesmo tempo denotava alguma
ingenuidade, lidava muito mal com o desamor e com a falta dos princípios
básicos de educação e de cidadania. Utópico o seu mundo? Para alguns
talvez. Outros pensarão que, no entanto,
são as Anas deste mundo, inconformadas, lutadoras, quiçá rebeldes, mas ao mesmo
tempo doces, que poderão trazer alguma réstea de esperança na mudança.
De repente, por entre trocas de
palavras, frases metafísicas, factos reais, e uma enorme derivação de assuntos,
como era normal nos seus encontros, olharam para a mesa onde as bebidas
permaneciam intactas, e em simultâneo gargalharam. Portugal. Sim, sem que se
tivessem apercebido tinham pedido uma vermelha e uma verde, que lhes faziam
lembrar o país. Distante. As saudades apertaram. O rostos das suas vidas
vieram-lhes à memória. Riram das recordações mais caricatas. Lacrimejaram pelo
aperto no peito. E ali, onde a tarde ia já avançada, decidiram: voltar. Afinal, a perfeição não existe, o mundo ideal
é um sonho, e se de sonhos se tratava, então que sonhassem junto dos seus.
Ana, iria
certamente prosseguir com as suas lutas agarrada às suas convicções, e Maria,
continuaria no seu registo mais tranquilo, comprometido, mas sempre disponível
e atenta.
Afinal, um dia, tudo acaba
ali…