“ ….Minha senhora, - João inicia
a sua explicação à mãe de Rui após alguma reflexão e análise-, a situação do
seu filho Rui, merece-nos particular atenção, mas não quero de todo enganá-la
ao dizer que poderei resolver tudo sozinho. Nem eu tenho essa capacidade, nem a
família se pode alhear do problema. O
Rui é portador de um desvio de personalidade, que afecta directamente os seus
comportamentos e a sua visão da realidade, transportando-o para factos e
situações que só ele pode viver e só ele pode perceber, desvio esse que pode
confundir-se por vezes com doença mental.
- Doutor, pode precisar o que
diz? – a mãe pareceu inquietar-se. Seria ela capaz de lidar com essa realidade
que se estava a anunciar? – Desvio de personalidade como? Doença mental? – Sim,
o Rui por vezes tinha comportamentos estranhos, coisas que não percebia,
conversas de outras realidades, mas daí a doença mental?.....
- D.Maria José, o Rui, entre
outras coisas, é uma pessoa muito carente, que permaneceu demasiado tempo
sozinho em criança, privado de um convívio normal e regular com os pais, a quem
não foi proporcionado crescer e
desenvolver-se no seio de uma família dita “normal”, e que precisamente pela
ausência sistemática de quem o poderia ter ajudado a trilhar caminhos, se
defendeu na criação de uma realidade só sua, onde a fantasia foi ganhando
lugar, e a linha entre a realidade e
essa fantasia, na sua mente ficou diluída. Sabe D.Maria José, a falta da presença dos pais, a falta de
carinho e de atenção em criança, pode conduzir muitas vezes à formação de
jovens e adultos com este tipo de perturbações. E estas manifestam-se das mais variadas formas
– há quem se manifeste pela rebeldia,
quem enverede pelas drogas, pelo álcool, quem se defenda estudando muitíssimo e
tente assim colmatar essa falta, numa ânsia de tudo querer saber e tudo querer
abarcar, numa actividade cerebral permanente, e há quem fantasie e crie
mentalmente realidades à sua maneira, e em função delas tente organizar a sua
vida, ainda que sempre desfazadas, e que conduzem com frequência a situações de
extrema complicação , pelo facto de não terem noção da realidade material,
emocional, familiar, etc.
- Mas o doutor acha que é essa a
situação do Rui? Que ele vive uma vida alheada de tudo? E acha que o facto de
ter crescido muito “à sua custa” pode ter contribuído para isto?
- Exactamente. Sabe, o desenvolvimento pessoal está directamente
ligado aos afectos e à qualidade dos mesmos. Não à quantidade ou qualidade de
brinquedos, jogos ou consolas… Muitas pessoas tentam colmatar a falta de afecto
com bens materiais, mas ao fazê-lo, em vez
de estar a “consolar” a criança, está sim, a contribuír para um problema
futuro relacionado com o sentimento de posse a todo o custo, muito presente na
tal fuga ou disfarce da realidade.
…E a conversa foi fluindo, a
explicação dada pelo Dr.João, médico psiquiatra de renome, veio abrir-lhe a
mente para algo em que nunca tinha pensado a sério, tal era a velocidade dos
seus dias, semanas e meses, entre táxis, aviões e escritórios, tentando suprir
a todo o custo a falta do marido, ausente desde os três anos de idade de Rui.
Afinal, todo o drama que estava a viver com Rui, se resumia a uma palavra –
carinho.”