“Era mais uma manhã daquelas em
que os raios do sol rasgavam por entre os cortinados que ondulavam ao sabor da
brisa que se fazia sentir, criando imagens curiosas que reflectiam na parede do
quarto. Ficou a contemplá-las e a imaginar o que poderiam ser. Pássaros, borboletas, árvores a ondular com o
vento, bustos em corrida fugaz, enfim…. Figuras. Figuras que poderiam ser tudo
aquilo que quisesse ver nelas.
Curioso como a imaginação nos
transporta para mundos tão díspares, tão transcendentes.
Repentinamente, olhou o relógio,
soltou um suspiro de aflição, e apercebendo-se que tinha demorado tempo demais
na contemplação das “suas” imagens,
levantou-se da cama, bem acordada para a vida real, e começou naquela
sua rotina diária, com tempos e compassos marcados, qual pauta de música onde
tudo tem forçosamente que encaixar, por forma a harmonizar a composição diária
da sua vida.
Duche, roupa, pequeno almoço,
breve arrumação de casa, mala, computador, café da manhã na pastelaria da
esquina, jornal no quiosque logo ao lado, bons dias às caras que há anos se
cruzam no mesmo caminho à mesma hora, chave do carro, e finalmente a caminho de
mais um dia de emoções, de realizações, de ajudar alguém a ser feliz. Liga o rádio
para as notícias da manhã – invariavelmente nada de novo que mereça a sua
atenção especial.
Para suavizar o tempo perdido
naquela fila de trânsito interminável, coloca o seu CD preferido, aquele que
lhe transmite a paz necessária para enfrentar o dia, que lhe faz pensar no
significado das letras, uma a uma, e ao mesmo tempo que se revê numa grande
parte delas, apercebe-se que para cada letra, existe uma pessoa ou situação
específica, que bem identifica. Curioso, nunca se tinha debruçado muito sobre
este tema. É mesmo verdade – canções não são mais do que o encarnar de situações
verídicas, contadas em forma de música, que ou podem dar ainda mais brilho e
emoção ao momento vivido, ou envolve-lo numa espécie de véu, para o tornar menos doloroso. E entre semáforos, paragens, avanços,
automobilistas incautos e sem paciência logo cedo, perde-se na análise que faz
da sociedade adaptada às faixas do “seu” CD.
O “arruma” do costume no sítio do costume,
indica-lhe o lugar. Conhecem-se já há alguns anos, tantos quantos começou a
trabalhar naquele edifício de paredes brancas, janelas grandes, a abraçar a luz
e a cor de uma cidade em permanente movimento. Depois do cumprimento matinal,
percorre em passo rápido os cerca de duzentos metros que separam o
estacionamento do portão de acesso àquele local onde tem sido tão feliz.
Determinada, entra no elevador, na ânsia de transcrever todas as emoções e pensamentos dessa manhã. Sabia bem como aplicá-los.
O projecto começava a ganhar forma, as linhas mestras estavam traçadas,
restava-lhe estabelecer alguns contactos
- tinha a certeza que sim! Este era mesmo o projecto da sua vida!
E trabalhou com afinco, com
empenho desmedido, teve o reconhecimento dos seus parceiros, das entidades
competentes, enfim, teve sucesso! Feliz, recordou, não sem alguma nostalgia, o
dia em que teve que abandonar o seu País, a sua família e os seus amigos, para
realizar o seu sonho e ter a sua oportunidade…..”