quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Neste Natal Faltou-Me Um Abraço


Neste Natal faltou-me um abraço.
Sim ... entre quem vai e quem fica,
Aberto está sempre o espaço
Que o abraço pacifica.
Neste Natal faltou-me um abraço.
Faltou-me um pouco de mim,
Neste tempo a correr lasso,
Numa urgência sem fim.
Inquietação que me habita,
Vazio vestido de luz,
Alma ardente que me agita,
Calor frio que me conduz.
Neste Natal faltou-me um abraço.
Silêncio dos meus receios,
Caminho de vontade  que traço,
Dor calada dos meus anseios.
Palavras quentes que recordo,
Pausadas, sentidas, vividas,
E do abraço eu acordo,
Num torpor de muitas vidas.
Neste Natal faltou-me um abraço...

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Um Conto De Natal



- Olha, tenho um cordão dentro da bota… vermelho... Tão grande…
- Também tenho! O meu é verde e também é grande!
- Uau! O meu é amarelo. Deixa ver o tamanho … acho que é igual aos vossos. E tu Rosarinho, não tens?
- Tenho! Azul claro…
- O meu é  de outro azul. Parece da cor das minhas calças de ganga … e os gémeos que cor têm?
- Eu laranja.
- E eu violeta.

Numa agitação as crianças mediam os cordões de tricot que inesperadamente tinham aparecido no seu calçado. Como teriam ido ali parar? Mistério para desvendar …

- Avó, avó, olhe o que apareceu nas nossas botas! Todos temos um cordão de lã mas com cores diferentes! A avó sabe quem os trouxe? Estão tão bem feitos, tão certinhos … O que quer isto dizer?

A avó acabara de entrar no quarto que servia de camarata aos seus sete netos. Sentia-se feliz quando os juntava e deles desfrutava, desafiada pelas conversas, pela energia contagiante, pela ingenuidade própria da idade. Era uma bênção poder acolhê-los, e com eles brincar e sonhar. Os dias eram caóticos em termos de arrumação da casa, mas o que importa estar tudo arrumado e não se sentir a vida? Aquela casa era demasiado grande, tornando-se fria de alma e de gente. O marido falecera cedo, levado por uma doença rara e incurável, quando a ciência ainda não estava tão desenvolvida. Os filhos, duas raparigas e um rapaz, tinham seguido as suas vidas, e ela sabia bem que no dia que partiram para estudar em Lisboa, dificilmente voltariam a habitar a quinta a não ser em fins de semana espaçados e alguns dias de férias quando o stress da cidade os consumia. Por isso a desordem não a incomodava. Ter todos em casa, nem que fosse só no Natal, era já de si tão bom e tão maravilhoso.
- Bom dia meus queridos! Dormiram bem?  A sério que têm cordões coloridos nas vossas botas? Deixem-me ver. Vermelho, verde, amarelo, azul, indigo, laranja e violeta. Olhem que coisa engraçada!  De repente lembrei-me de uma história e de um jogo. Querem que vos conte?
- Sim!!!
- Então vamos fazer uma roda e sentar no chão. Eu fico no meio e quando eu disser uma cor, quem tiver esse cordão levanta-se e vai encostar-se à parede. Pode ser? Mas primeiro vestem o roupão e calçam as pantufas! Está muito frio.
As crianças estavam eufóricas. Rapidamente se vestiram e calçaram e um a um sentaram-se em roda.
- Vocês sabem que quando a avó tinha a vossa idade, não havia televisão, não existiam jogos como os vossos, e os brinquedos eram muitas vezes feitos à mão pelos artesãos da aldeia. Divertíamo-nos muito a criar as nossas próprias brincadeiras,  fazíamos teatros, festivais, inventávamos histórias, e era uma roda viva.  Depois os tempos foram mudando e muito rapidamente tudo se transformou. As pessoas começaram a ter acesso a outro tipo de vida, apareceram novos brinquedos, jogos, consolas, etc. e foi-se perdendo aquilo que puxava por nós e nos empurrava para a frente, ou seja, a autenticidade, a imaginação, a partilha, a amizade, e cada um começou a correr por si próprio, mais feliz ou não, mas de uma forma completamente diferente. Pronto,  isso agora nem vem ao caso. Vamos lá aos nossos cordões coloridos:
Vermelho, quem tem? O Diogo? Muito bem. Sabes o que simboliza a cor vermelha? O amor, a paixão e a coragem. Tu que és um menino muito corajoso e terno ganhaste o cordão vermelho. Podes ir para junto da parede.
Laranja? Luisinha? Boa! A cor laranja tem a ver com a comunicação, com a educação e com outras coisas boas (se eu gostasse da palavra diria sucesso, mas como não gosto, fico pelas coisas boas…). Tu que és uma menina que fala pelos cotovelos, que és muito educadinha e que fazes tudo certinho, representas a cor laranja. Podes ir para o lado do primo.
Amarelo? Ah Joãozinho! Só podias ser tu! Sabes o que significa a cor amarela? Alegria, boa energia e boas ideias. Quem é que está sempre a rir e a animar a festa? Quem é que está sempre a inventar? Pois claro! O meu João! Vá lá para junto da Luisinha se faz favor.
E o verde pertence a quem? Anocas … pois claro! Verde é esperança, é paz, é confiança. Quem é a apaziguadora das discussões dos meninos? Quem é que ouve todos e todos ajuda? A prima mais velha! Então a Ana fica ao lado do João.
O azul é?... Da Rosarinho! A nossa pensadora que põe todos na linha … o azul tem a ver com a parte intelectual, mas também com algum autoritarismo. Estou enganada Rosarinho? Lugar ao lado da Ana.
Está quase… quem tem o indigo? O Rui … o mais velho dos meninos. Meu querido, meu homenzinho que pareces ter já sido velho… a tua cor indigo, indica que és uma pessoa sincera, respeitadora mas muito senhor do teu nariz… quer dizer, que pensas muito em ti … fazes-me lembrar o meu pai … vai lá para junto da Rosarinho.
Só restas tu Manelinho. Adivinho o violeta … certo! O oposto da sua gémea. O pensador, o que questiona a razão do próprio ser… És tu, meu anjo …
Agora todos direitinhos com o cordão pendurado na mão direita! Façam um círculo e digam-me o que vêm.
- As cores dos arco-íris!
- Exactamente! Sabem porque é que os cordões coloridos apareceram nas vossas botas? Porque a magia do arco-íris que fez há dois dias entrou pela casa da avó e quer ser parte de vós.Cada um de vocês representa um uma peça na vida dos outros, como os anéis do arco-íris e como se de um lego se tratasse  . São esses cordões que unidos constroem o sentido da vida e aquilo que queremos para nós e para os outros. Tal como o arco-íris não existe se não tiver as sete cores, também nós ficamos incompletos se nos faltarem os valores. Sabem quem foi Charles Chaplin ou mais vulgarmente chamado Charlot? Sim? Sabem o que ele dizia? “Você nunca achará o arco-íris, se  estiver olhando para baixo” – significa que têm que olhar sempre mais além, ser corajosos, educados, humildes, tolerantes, autênticos, unidos, ponderados,  que têm que saber amar, sonhar e  acreditar naquilo que querem.  Feliz Natal, meus queridos! Adoro-vos!