- Olha, tenho um cordão dentro da bota…
vermelho... Tão grande…
- Também tenho! O meu é verde e
também é grande!
- Uau! O meu é amarelo. Deixa ver
o tamanho … acho que é igual aos vossos. E tu Rosarinho, não tens?
- Tenho! Azul claro…
- O meu é de outro azul. Parece da cor das minhas calças
de ganga … e os gémeos que cor têm?
- Eu laranja.
- E eu violeta.
Numa agitação as crianças mediam
os cordões de tricot que inesperadamente tinham aparecido no seu calçado. Como
teriam ido ali parar? Mistério para desvendar …
- Avó, avó, olhe o que apareceu
nas nossas botas! Todos temos um cordão de lã mas com cores diferentes! A avó
sabe quem os trouxe? Estão tão bem feitos, tão certinhos … O que quer isto
dizer?
A avó acabara de entrar no quarto
que servia de camarata aos seus sete netos. Sentia-se feliz quando os juntava e
deles desfrutava, desafiada pelas conversas, pela energia contagiante, pela
ingenuidade própria da idade. Era uma bênção poder acolhê-los, e com eles
brincar e sonhar. Os dias eram caóticos em termos de arrumação da casa, mas o
que importa estar tudo arrumado e não se sentir a vida? Aquela casa era
demasiado grande, tornando-se fria de alma e de gente. O marido falecera cedo,
levado por uma doença rara e incurável, quando a ciência ainda não estava tão
desenvolvida. Os filhos, duas raparigas e um rapaz, tinham seguido as suas
vidas, e ela sabia bem que no dia que partiram para estudar em Lisboa,
dificilmente voltariam a habitar a quinta a não ser em fins de semana
espaçados e alguns dias de férias quando o stress da cidade os consumia. Por
isso a desordem não a incomodava. Ter todos em casa, nem que fosse só no Natal,
era já de si tão bom e tão maravilhoso.
- Bom dia meus queridos! Dormiram
bem? A sério que têm cordões coloridos
nas vossas botas? Deixem-me ver. Vermelho, verde, amarelo, azul, indigo,
laranja e violeta. Olhem que coisa engraçada!
De repente lembrei-me de uma história e de um jogo. Querem que vos
conte?
- Sim!!!
- Então vamos fazer uma roda e
sentar no chão. Eu fico no meio e quando eu disser uma cor, quem tiver esse
cordão levanta-se e vai encostar-se à parede. Pode ser? Mas primeiro vestem o
roupão e calçam as pantufas! Está muito frio.
As crianças estavam eufóricas. Rapidamente
se vestiram e calçaram e um a um sentaram-se em roda.
- Vocês sabem que quando a avó
tinha a vossa idade, não havia televisão, não existiam jogos como os vossos, e
os brinquedos eram muitas vezes feitos à mão pelos artesãos da aldeia.
Divertíamo-nos muito a criar as nossas próprias brincadeiras, fazíamos teatros, festivais, inventávamos
histórias, e era uma roda viva. Depois
os tempos foram mudando e muito rapidamente tudo se transformou. As pessoas
começaram a ter acesso a outro tipo de vida, apareceram novos brinquedos,
jogos, consolas, etc. e foi-se perdendo aquilo que puxava por nós e nos
empurrava para a frente, ou seja, a autenticidade, a imaginação, a partilha, a
amizade, e cada um começou a correr por si próprio, mais feliz ou não, mas de
uma forma completamente diferente. Pronto, isso agora nem vem ao caso. Vamos lá aos
nossos cordões coloridos:
Vermelho, quem tem? O Diogo?
Muito bem. Sabes o que simboliza a cor vermelha? O amor, a paixão e a coragem. Tu
que és um menino muito corajoso e terno ganhaste o cordão vermelho. Podes ir
para junto da parede.
Laranja? Luisinha? Boa! A cor
laranja tem a ver com a comunicação, com a educação e com outras coisas boas
(se eu gostasse da palavra diria sucesso, mas como não gosto, fico pelas coisas
boas…). Tu que és uma menina que fala pelos cotovelos, que és muito educadinha
e que fazes tudo certinho, representas a cor laranja. Podes ir para o lado do
primo.
Amarelo? Ah Joãozinho! Só podias
ser tu! Sabes o que significa a cor amarela? Alegria, boa energia e boas
ideias. Quem é que está sempre a rir e a animar a festa? Quem é que está sempre
a inventar? Pois claro! O meu João! Vá lá para junto da Luisinha se faz favor.
E o verde pertence a quem? Anocas
… pois claro! Verde é esperança, é paz, é confiança. Quem é a apaziguadora das
discussões dos meninos? Quem é que ouve todos e todos ajuda? A prima mais
velha! Então a Ana fica ao lado do João.
O azul é?... Da Rosarinho! A
nossa pensadora que põe todos na linha … o azul tem a ver com a parte
intelectual, mas também com algum autoritarismo. Estou enganada Rosarinho? Lugar
ao lado da Ana.
Está quase… quem tem o indigo? O
Rui … o mais velho dos meninos. Meu querido, meu homenzinho que pareces ter já
sido velho… a tua cor indigo, indica que és uma pessoa sincera, respeitadora
mas muito senhor do teu nariz… quer dizer, que pensas muito em ti … fazes-me
lembrar o meu pai … vai lá para junto da Rosarinho.
Só restas tu Manelinho. Adivinho
o violeta … certo! O oposto da sua gémea. O pensador, o que questiona a razão
do próprio ser… És tu, meu anjo …
Agora todos direitinhos com o cordão
pendurado na mão direita! Façam um círculo e digam-me o que vêm.
- As cores dos arco-íris!
- Exactamente! Sabem porque é que
os cordões coloridos apareceram nas vossas botas? Porque a magia do arco-íris que fez há dois dias entrou pela casa da avó e quer ser parte de vós.Cada um de vocês representa um uma peça na vida dos outros, como os anéis do arco-íris e como se de um lego se tratasse . São esses
cordões que unidos constroem o sentido da vida e aquilo que queremos para nós e
para os outros. Tal como o arco-íris não existe se não tiver as sete cores,
também nós ficamos incompletos se nos faltarem os valores. Sabem quem foi
Charles Chaplin ou mais vulgarmente chamado Charlot? Sim? Sabem o que ele
dizia? “Você nunca achará o arco-íris, se estiver olhando para baixo” – significa que
têm que olhar sempre mais além, ser corajosos, educados, humildes, tolerantes, autênticos, unidos,
ponderados, que têm que saber amar,
sonhar e acreditar naquilo que querem. Feliz Natal, meus queridos! Adoro-vos!