- Que posso servir?
- Intenso.
- Perdão, intenso?
- Sim, intenso. Café com aroma
intenso.
- Com certeza. E deseja mais
alguma coisa?
- Não obrigado.
Não conseguia perceber o ar
estupefacto do barman. Abria os olhos e
punha um ar de espanto, como se pedir um café intenso, fosse alguma coisa que
transcendesse os hábitos do comum dos mortais. Teve vontade de lhe perguntar: “ouça
lá, gosta dos seus dias com sabor a nada, ou prefere que tenham um ligeiro
travo de qualquer coisa?” Mas conteve-se. Não, ele não iria perceber . Quem não
reconhece o prazer de um café intenso, dificilmente consegue distinguir o
açúcar do adoçante.
Com uma voz sumida pousou o pires
e a chávena – aqui está. Espero que esteja a seu gosto. E ali ficou, especado,
a olhar. Fitou-o: não necessito mais nada obrigado – na esperança de que
desaparecesse dali e deixasse que se abandonasse ao prazer de saborear
intensamente aquele momento de paz. Nada. O rapaz continuava hirto. - Desculpe,
alguma coisa mal? Insisitiu, enquanto o café começava a esfriar. Na…não…,
estava apenas ... – Sim?? Questionou-o
já com um rasgo de impaciência - . Peço desculpa, mas é a primeira vez que me
pedem um café intenso, e fiquei curioso. Para mim, café é café … e gostava de
perceber o porquê de ter pedido intenso…. –
Enquanto abria a saqueta do açúcar, com um gesto lento, suspirou…. Como poderia
explicar que a intensidade é completamente subjectiva, e que o sabor dessa
mesma intensidade também?
Sim, não sabia viver de outra
forma. Os seus dias eram intensos, enchiam-lhe a alma e a vida. Em tudo punha
cem por cento. Na família, no amor, no trabalho, nos amigos, nos momentos
partilhados, nos prazeres da vida, na contemplação, no silêncio, no simples
acto de respirar.
Sabe, atreveu-se, cada pessoa é
única, com os seus gostos e a sua forma de estar. Existem pessoas para quem a vida
tem apenas um papel objectivo, de cumprimento, de regras e que são muito
lineares na sua forma de estar. Existem outras, no lado oposto, que tudo contestam,
querem revolucionar o estar
instituído, e querem sempre experimentar
algo novo, são inquietas por natureza. Outras há que preferem viver potenciando o que
de melhor há nas duas vertentes, dando cores diferentes às suas experiências de
vida. – Demasiado rebuscado, pensou. – Não sei se me estou a fazer entender –
questionou com ar duvidoso. A um aceno
de cabeça do rapaz, continuou. O seu
nome é? – José - Pois bem José, cada um de nós tem uma forma própria de
encarar a vida, de enfrentar os desafios, de lidar com experiências
desagradáveis, de rejubilar com alegrias;
da mesma forma, que cada um de nós vê a planície e a montanha com olhos
diferentes, o azul do mar para mim é um
e para si pode ser mais esverdeado ou não,
uma noite estrelada pode ser linda ou tenebrosa, uma determinada música pode invadir-me os sentidos,
e a si ser indiferente. A intensidade é
vivida e experienciada de forma única, José. Sem querer, embrenhada na conversa, olhou para
a chávena.
O rapaz sorriu. Retirou-se. O
café estava completamente frio. No horizonte uma linha laranja separava a
planície de um céu que se antevia quente e luminoso. Recostou-se no cadeirão,
ousou repousar os pés num puf, guardou o livro que tencionava ler e quando ia
finalmente começar a saborear o café, José aproximou-se de novo. - Trouxe-lhe outro café. Esse além de estar
frio, não foi tirado com a intensidade suficiente para que possa saborear e
desfrutar o seu fim de tarde. As cores do horizonte estão lindas. Com licença.
Com um sorriso , agradeceu o novo
café, colocou os phones, e intensamente
saboreou o silêncio e a beleza da paisagem, a brisa que começava a soprar, a
sua música preferida, e aquele café tardio, mas intenso.