Vi-te passar na penumbra. A luz,
era fraca e trémula, e a dificuldade para distinguir os rostos acrescida.
Semi-cerrava os olhos ardentes, para tentar diminuir o espaço em volta, e fixar
os traços da feição, que afinal me eram
tão familiares.
Passo apressado, quase fugidio,
diria, como que a correr atrás de um
qualquer objecto que resvalasse rua abaixo, na ânsia de o apanhares.
Pensei: correr… para quê? De quê?
A nossa existência é de facto uma caixinha de surpresas, mas apenas funciona se nos quisermos deixar surpreender, coisa que
afastaste de ti há anos…. O querer que algo ou alguém te surpreenda. Sim, as surpresas, sejam elas
quais forem, fazem-nos sentir que a vida
existe. Ora nos desafiam, ora nos
amarguram, ora nos deixam em êxtase.
Mas, recuperando, o tema, não compreendo
do que corres. Se de ti, se da vida.
Tudo é uma imperfeição – eu sei. As pessoas não são perfeitas, as
escolas não são perfeitas, os empregos não são perfeitos, e os relacionamentos
também não. Sessenta por cento de nós e do que nos rodeia é imperfeito. E
então? Desistimos? Fugimos? Não, certamente. Temos em nós a chave para abrir e
fechar as gavetas que queremos nas nossas vidas. No entanto, a chave tem que
permanecer connosco e não devemos jogá-la fora,
pois uma gaveta por abrir pode conter dentro de si uma enormidade de
oportunidades, e uma gaveta semi-fechada, se não for trancada de vez, deixa evaporar
a poeira que nos incomoda, causando uma espécie de brotoeja, que quanto mais se
coça, mais fere a pele.
Não corras! Dá espaço para que os
teus passos tenham o compasso dos dias e das noites, dos meses, e das estações
do ano. Esse, sim, é um ritmo saudável. Sem jet-lags permanentes que te privam
da paz e da tranquilidade daquilo que é ser ou estar. Olha em volta: a vida
dita “normal” já nos força a correr sem que o tenhamos pedido. Correr de
correr, é um esforço tal, que arrasa físico e mente, e que não te acrescenta.
Vi-te passar na penumbra. Uma,
duas, tantas vezes…. Que a penumbra passou a ser aquele aliado, onde tentamos
ver o invisível, onde a tua sombra se move, e onde procuro aquelas respostas
tão distantes quanto difíceis de entender.
O mundo gira, sim, sempre. Não
pára. E é contra-natura que alguém o queira fazer parar… só porque sim. O mundo…
o mundo, és tu, sou eu, são todos aqueles que nos acrescentam, mas também
aqueles que deixaram de fazer sentido, e
que no entanto existem. O mundo são
aqueles que “partiram”, que nos preencheram, e que recordamos de alma cheia, mas
também são muitos outros que por nós apenas passaram. E o mundo está aí –
doente, desumano, frio …., mas é neste que ocupamos o nosso espaço. É este que é
necessário mudar. Não Marte, Saturno ou Plutão. E é aqui que tens o teu lugar, e a tua
oportunidade de fazer! Não de correr…. É aqui que podes falar, transformar,
empreender! Não, correr…. É aqui que cimentas raízes, que cresces e floresces!
Não, correr delas ….
Vi-te passar na penumbra, e os
meus olhos semi-cerrados ardiam-me. Ardiam-me de ver as tuas recusas, a negação a que te entregaste, o tempo que
renegaste, o ser que de ti afastaste, o
sorriso que já esqueceste, o ombro onde
adormeceste.
E da penumbra acordei, tensa,
transpirada, ofegante….. afinal era manhã,
e o sonho dilacerante.