sexta-feira, 24 de junho de 2016

Penumbra de um Sonho



Vi-te passar na penumbra. A luz, era fraca e trémula, e a dificuldade para distinguir os rostos acrescida. Semi-cerrava os olhos ardentes, para tentar diminuir o espaço em volta, e fixar os traços da feição,  que afinal me eram tão familiares.
Passo apressado, quase fugidio, diria,  como que a correr atrás de um qualquer objecto que resvalasse rua abaixo, na ânsia de o apanhares.
Pensei: correr… para quê? De quê? A nossa existência é de facto uma caixinha de surpresas, mas apenas funciona  se nos quisermos deixar surpreender, coisa que afastaste de ti há anos…. O querer que algo ou alguém  te surpreenda. Sim, as surpresas, sejam elas quais  forem, fazem-nos sentir que a vida existe. Ora nos desafiam,  ora nos amarguram, ora nos deixam em êxtase.  Mas, recuperando, o tema,  não compreendo do que corres. Se de ti, se da vida.  Tudo é uma imperfeição – eu sei. As pessoas não são perfeitas, as escolas não são perfeitas, os empregos não são perfeitos, e os relacionamentos também não. Sessenta por cento de nós e do que nos rodeia é imperfeito. E então? Desistimos? Fugimos? Não, certamente. Temos em nós a chave para abrir e fechar as gavetas que queremos nas nossas vidas. No entanto, a chave tem que permanecer connosco e não devemos jogá-la fora,  pois uma gaveta por abrir pode conter dentro de si uma enormidade de oportunidades, e uma gaveta semi-fechada, se não for trancada de vez, deixa evaporar a poeira que nos incomoda, causando uma espécie de brotoeja, que quanto mais se coça, mais fere a pele.
Não corras! Dá espaço para que os teus passos tenham o compasso dos dias e das noites, dos meses, e das estações do ano. Esse, sim, é um ritmo saudável. Sem jet-lags permanentes que te privam da paz e da tranquilidade daquilo que é ser ou estar. Olha em volta: a vida dita “normal” já nos força a correr sem que o tenhamos pedido. Correr de correr, é um esforço tal, que arrasa físico e mente, e que não te acrescenta.
Vi-te passar na penumbra. Uma, duas, tantas vezes…. Que a penumbra passou a ser aquele aliado, onde tentamos ver o invisível, onde a tua sombra se move, e onde procuro aquelas respostas tão distantes quanto difíceis de entender.
O mundo gira, sim, sempre. Não pára. E é contra-natura que alguém o queira fazer parar… só porque sim. O mundo… o mundo, és tu, sou eu, são todos aqueles que nos acrescentam, mas também aqueles que deixaram de fazer sentido,  e que no entanto existem.  O mundo são aqueles que “partiram”, que nos preencheram, e que recordamos de alma cheia, mas também são muitos outros que por nós apenas passaram. E o mundo está aí – doente, desumano, frio …., mas é neste que ocupamos o nosso espaço. É este que é necessário mudar. Não Marte, Saturno ou Plutão.  E é aqui que tens o teu lugar, e a tua oportunidade de fazer! Não de correr…. É aqui que podes falar, transformar, empreender! Não, correr…. É aqui que cimentas raízes, que cresces e floresces! Não, correr delas ….
Vi-te passar na penumbra, e os meus olhos semi-cerrados ardiam-me. Ardiam-me de ver as tuas recusas,  a negação a que te entregaste, o tempo que renegaste, o ser que de ti afastaste,  o sorriso que já esqueceste,  o ombro onde adormeceste.
E da penumbra acordei, tensa, transpirada, ofegante….. afinal era manhã,  e o sonho dilacerante.



sábado, 18 de junho de 2016

Poeira



Escondi-me na poeira dos momentos passados,
Onde da penumbra um raiar de luz me ofuscava,
E onde os meus medos guardados calava,
Num silêncio de gritos tão sussurrados.
Escondi-me na poeira dos momentos passados,
Sombra de um ser em tempos sonhado,
Coração pelos meses e anos esmagado,
Nostalgia efémera dos dias traçados.
Guardei no meu peito vozes sem rosto,
Num cofre fechei o sentimento deposto,
E abri a janela da luz e do ser,
E percebi que o segredo afinal, é viver!

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Je suis ..... quoi?



Je suis Paris, je suis Bruxelas, je suis Turquia, je suis Orlando, je suis…. Quoi de plus?... Je suis….le Monde entier!
Sim, ontem fomos Paris, Bruxelas, Turquia, Orlando… e tantos outros locais onde a aberração do terrorismo teima em pôr termo a vidas indefesas, que apenas querem estar de bem com os seus dias, e celebrar  instantes.
De nada serve sermos os locais onde a barbárie aconteceu, apesar da extrema importância de sermos solidários e mostrarmos essa solidariedade a quem sofre.
A questão prende-se muito mais, a meu ver, com o caos que aqui e ali começa a ganhar forma no mundo. Culpados? Todos. Toda uma sociedade, seja ela de brancos, negros, amarelos ou mestiços. Todos contribuíram de uma forma ou outra para a inversão de valores, para a sobreposição dos índices economicistas, àquilo que fundamenta as sociedades – os cidadãos enquanto tal. E não me refiro a sociedades desenvolvidas ou ultra-desenvolvidas. Refiro-me sim, ao mundo em geral. Enquanto uns ostentam o poder angariado, e do alto dos seus pedestais nem sequer se dão ao trabalho de inclinar a cabeça e ver o que se passa em redor, outros, raiam o limiar da miséria, das condições de vida mais degradantes que um ser humano pode viver ainda no nosso século, e quantas vezes resignados, mas solidários, e em cujo olhar ainda brilha uma réstea de esperança. E é precisamente no meio termo que surgem os maiores problemas, muitas vezes provocados por um sentimento de revolta e de injustiça. Chegar perto dos que estão no topo, é difícil pelas vias normais. Resignar-se e aproximar-se do patamar abaixo, não é o objectivo.  E é neste meio termo, onde cidadãos com alguma formação e informação se movimentam, que surgem os problemas, ora por uma ambição desmedida que não olha a meios para atingir os fins, ora por uma desilusão profunda face às assimetrias locais, continentais e mundiais.
E o grande problema é que as sociedades não estão preparadas para lidar com as situações decorrentes  dessa “décalage”,  onde cidadãos aparentemente “normais”, que habitam ou trabalham ao nosso lado, ou podem até tomar um café na nossa roda de amigos, aparentemente enquadrados na sociedade,  vivem vidas duplas, e em nome de um ideal absolutamente aberrante,  não se coíbem de matar, de provocar sofrimento a dezenas ou centenas de pessoas indefesas e que apenas querem fazer a sua vida.
Cada vez mais estes ataques de pura barbárie são direccionados para quem usufrui da sua liberdade, seja ela de ser ou estar, seja de expressão. Esplanadas, cafés, resorts, aeroportos, casas de espectáculo, bares, discotecas, jornais. Locais onde  nos sentimos bem, onde a intenção é desfrutar de momentos que nos dão prazer, e que apenas quem é livre pode usufuir. O terror é inimigo do prazer, da liberdade, da cultura, por isso pretende espalhar o medo. 
É tempo dos senhores que governam o mundo fazerem uma séria reflexão, e tomarem medidas sérias e eficazes,  pois chegámos a uma situação não prevista por quem, a troco de biliões ou triliões financiou autênticos arsenais de armas de guerra, facilitou negócios petrolíferos, e de alguma forma provocou a “pescadinha de rabo na boca” que nos chegou ao prato sem que a tenhamos pedido.
Enquanto cidadãos, expectantes e em simultâneo potenciais actores de um qualquer episódio que possa acontecer se estivermos no local errado à hora errada, apenas nos resta sermos cada vez melhores pessoas, melhores educadores,   gerirmos melhor as nossas prioridades e aquilo que queremos para e da vida, e tentarmos a todo o custo reinstalar o básico de qualquer ser humano – os valores (que não materiais).
Sim, porque o prato que pedimos, pode ter sido dinde aux marrons, moules frites, kebab, hambúrguer, cozido à portuguesa,  sushi, soja ou tofu,  mas não foi certamente esta “pescadinha" que diariamente nos é servida.
E por isso,  je  suis  auncun endroit, je suis le Monde entier!