quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Contrastes



”E enquanto via a chama a crepitar na lareira, odulando, provocando reflexos de vários tons laranja, ora mais vivos, ora mais mortiços, num desafio imparável, recordava com alegria as tardes de inverno da sua juventude.
Lá longe, onde as notícias do mundo chegavam mais tarde, onde as tecnologias de informação como hoje se conhecem, eram uma miragem, onde o relacionamento interpessoal e a entreajuda eram o pilar mais fundamental da sociedade onde vivia.
Valores eram valores. Respeito, amizade, sinceridade, palavras-chave de um dia a dia onde os escassos 500 habitantes da aldeia, fundamentavam o seu ser e o seu viver, mau grado as imensas dificuldades quotidianas, as condições deficitárias de sobrevivência, decorrentes de uma débil actividade económica da região, o frágil acesso a um ensino capaz que proporcionasse mais oportunidades, e satisfizesse a sua enorme vontade de tudo apreender, e tudo querer saber.
Tempos idos esses, onde o mínimo pormenor fazia a diferença, onde para confraternizar tudo era motivo, onde qualquer objecto era imaginado e transformado num qualquer alvo de necessidade latente.
Repentinamente, deteve-se na contemplação daquela chama, no conforto do seu lar actual, na cidade a que chamou sua, rodeada de pessoas cultas mas frias, com vida confortável mas egoístas, bem sucedidas mas calculistas, e para quem os valores do seu passado nada representavam.
Levantou-se, pegou na paleta e no pincel, dirigiu-se para o cavalete sempre presente, e com uma velocidade frenética começou a pintar com traços rápidos e incisivos, como que a querer espelhar naquela tela todos os contrastes da sua vida.”…

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Luz



Aquele rasgo de luz trémula, intermitente,
Que ilumina o espaço dos dias vividos,
Onde histórias te dançam na mente,
Num misto desfilar de sentidos.
São tantos os céus que abraçaste,
Tão por inteiro te entregaste,
Que à tua luz e vida negaste,
E em silêncios sufocaste.
Alma inquieta te habita,
Num tudo querer do bem,
Não és tu, é a vida que dita,
As linhas a escrever e por quem.
E se o sentido da vida é só um,
Porquê o desencontro a fluír?
Porquê troncos a ruír?
Porquê o ego a construír?
E se o sentido da vida é só um,
O rio corre para o mar,
O destino do pássaro é voar,
E o das pessoas amar.
E se o sentido da vida é só um,
Por entre a luz trémula, intermitente,
Reserva o caminho no espaço quente,
Que no teu peito te diz seres gente.