Conheci-a na esplanada do café da
praia, onde ao final de tarde costumava passar algum tempo entre leituras,
tremoços e uma ou duas imperiais. Encontrando-se ocupadas todas as mesas,
dirigiu-se a mim e perguntou se estava a aguardar alguém, ou se poderia ter a
gentileza de permitir que ela se sentasse um pouco enquanto tomava algo fresco
antes de descer ao areal.
- Estou absolutamente só. Claro
que pode sentar-se. - Ajeitei uma cadeira, tirei as minhas coisas da mesa para
fazer espaço, e fiz um gesto para que se sentasse. - A tarde realmente está muito agradável
aqui. Corre uma leve brisa que refresca o ar. Que deseja tomar? - perguntei, fazendo jus ao meu carácter de
cavalheiro.
- Não se incomode comigo. Eu já
peço ao empregado. Pode continuar a ler tranquilo. Prometo não incomodar.
Apenas queria sentar-me para refrescar um pouco.
- Ora essa. Não me incomoda nada,
acrescentei, fechando o livro e colocando-o junto aos restantes pertences que
ocupavam outra cadeira. Tinha um sorriso bonito e uma expressão de
frontalidade. Estatura mediana, pele morena, olhos de um verde água que
pareciam reflectir o vestido solto e vaporoso que usava. O rosto redondo
emoldurado por caracóis largos a caír um pouco abaixo dos ombros. Tinha uma
figura bonita. Tinha presença.
Pediu um sumo de melancia gelado
com hortelã. Eu pedi mais uma imperial e salgados.
- Penso que não nos apresentámos.
O meu nome é Vasco. Muito gosto.
- Ahah, é verdade. O meu nome é
Sofia. O gosto é meu e eu é que agradeço a sua gentileza.
Tentei adivinhar-lhe a idade. A
pele era jovem e fresca. Não havia sinal de uma ruga ou de um vinco na pele que
não devesse lá estar. O cabelo não tinha pintura e era perfeitamente natural.
Os olhos tinham o brilho de uma jovem adulta a descobrir a vida e o mundo.
Talvez uns vinte e seis anos. Menos três ou quatro do que eu.
A conversa começou a fluír,
primeiro sobre o tempo, o mar, o gosto pela praia, evoluindo para tempos
livres, actividades, locais, enfim… uma conversa que começou a ser para “encher
chouriços”, mas que se tornou numa agradável cavaqueira.
Já com o sol a baixar no
horizonte, mas com o mar super tranquilo, descemos à praia e após caminharmos
um pouco até encontrarmos um lugar com poucas pessoas onde tivessemos espaço em
volta, abraçámos o mar num mergulho.
Havia de ser o primeiro de muitos
mergulhos e a primeira de muitas tardes e noites passadas naquele areal. Sofia
era uma miúda simpática, culta e com quem dava gosto acompanhar. Estava sozinha
de férias, a captar energias para um emprego onde tinha sido aceite e que iria
iniciar no mês seguinte. Eu lá lhe contei um pouco da minha história, que
também estava de férias sozinho, que o meu trabalho era de free lancer, e
portanto não tinha horários nem compromissos temporais rígidos. Que a leitura
era o meu refúgio, mas não dispensava uma boa música, um bom filme e uma boa conversa.
- Vasco, sei de um bar com música
ao vivo de excelente qualidade. Queres ir comigo? (Podemos tratar-nos por tu
não podemos?)
- Podemos claro! Um bar com
música ao vivo? Qual? Conheço quase todos.
Combinámos hora e local para nos
encontrarmos. Caprichei no duche, no cabelo e na roupa. Estava nervoso. Aquela
miúda tinha um magnetismo muito forte. Sentia-me atraído por ela. Uma atracção
física mas não só. As conversas dela tinham sentido, tinham corpo. Via-se que
não era uma daquelas raparigas ocas, superficiais e fúteis. Era inteligente. E
para mim, inteligência aliada ao físico, desafiava-me. Imaginava-me envolto nos
seus caracóis desalinhados. Agarrá-la, abraçá-la, senti-la.
À hora marcada lá estávamos os
dois, perfumados, bronzeados, confortavelmente vestidos e prontos para agarrar
a noite e o que ela tivesse para nos dar. A banda jazz era de facto muito boa.
O som não estava demasiado alto e permitia que trocássemos palavras, cúmplices
de pequenos gestos a denotarem o desejo crescente em cada um de nós. Agarrou-me
na mão, pagámos na saída e fui literalmente arrastado por Sofia para o seu
hotel.
Apressadamente tirou-me a roupa,
desprendeu os botões do vestido e mergulhámos um no outro numa espécie de
loucura. Sofia tinha uma sensualidade enorme, o toque da sua pele morena
excitava-me e possuía-me os sentidos e o corpo.
Foi talvez a noite mais alucinante da minha vida. Sofia comandava a
nossa entrega mútua. Do chão fizemos cama e da cama fizemos o nosso palco.
Nos dias seguintes apenas ia a
casa para trocar de roupa, e até mesmo o tempo que estava sem Sofia junto a
mim, parecia uma eternidade. Queria senti-la, cheirá-la, entrar nela e nela
permanecer. Queria tê-la nua junto a mim. Ouvir os seus gemidos de prazer e os
seus gritos de dor quando insistente continuava a devorar-me.
O tempo era nosso, e tanto podia
sê-lo no quarto do hotel, como num qualquer canto escuro da praia, ou até mesmo
no mar. O calor dos nossos corpos era capaz de incendiar.
Uma manhã ao acordar não senti
Sofia na cama. Ter-se-ia levantado mais cedo? Com que propósito? Olhei em volta
e pareceu-me que o quarto estava demasiado arrumado. Levantei-me e foi como se
tivesse sentido uma vertigem daquelas que aparecem do nada e permanecem, tirando-nos a luz dos olhos e
as forças. Nada. Não havia nem um objecto, nem uma peça de roupa de Sofia. Um
cima da mesa um bilhete “Vasco, és uma pessoa especial que guardo no meu
coração. Os dias que passámos foram também eles especiais e jamais os
esquecerei. O que me esqueci foi de te dizer que ontem tinha uma mensagem a
avisar que deveria apresentar-me no trabalho amanhã às 9h e que o voo estava
marcado para hoje às 10h. Quando adormeceste arrumei as coisas e saí. Não gosto
de despedidas. Não irei esquecer-te e não te direi adeus, mas sim até já”.