De repente caíu-me a ficha e vi a
vida a desmoronar-se como um castelo de cartas.
Não estava em nenhum casino, nem
o jogo decorria numa qualquer slot machine ou mesa de pano verde.
Jogo? Sim, poderei chamar-lhe
jogo, já que tudo começou com um jogo de sedução mútuo que acabou por nos unir
sob o mesmo tecto. Um jogo feito paixão, possessão, alucinação, opressão e por
fim desilusão, frustração, separação.
Durante meses, qual gato e rato,
corremos atrás um do outro, inventámos encontros, propiciámos desencontros,
fugimos do óbvio e do rápido, e fomos alimentando um jogo que se por um lado
nos desafiava e nos empurrava na mesma direcção, por outro, de tão ocupados com
os contornos desse desafio, fomo-nos perdendo em detalhes que viriam revelar-se fundamentais numa relação a dois.
A atracção física provocada por
um flash repentino que encandeia e ao mesmo tempo incendeia o olhar, tem muitas
vezes um revés a que poderei chamar de discernimento ofuscado, tal a vontade de
vermos apenas o que está diante de nós, esquecendo que do outro lado existe uma
parte racional, sentimental e
intelectual que compõe o todo. E
é esse todo que constitui a peça que nos falta e nos complementa. Uma relação a
dois não é de todo um jogo de casino, rebuscado, sofisticado e cautelosamente pensado e
estudado, mas uma espécie de puzzle.
Algo muito mais simples, embora complexo, mas que permite ver o desenho na sua
quase totalidade enquanto se organizam e encaixam as peças, com perspectiva e
sabedoria.
Completo amanhã cinco anos de um
qualquer jogo tipo casino, cheio dos vícios inerentes. Por ele, fui-me
aprisionando, anulando nas minhas escolhas, caminhando como peça-alvo do
tabuleiro mais perfeito e mais rebuscado, e vivendo uma vida interior miserável
onde o meu próprio e genuíno eu deixou
de existir.
Impossível continuar assim.
O que de início era uma paixão
intensa e carnal, transformou-se em fixação perfeitamente psicótica por parte
dela. Estabelecia ideais fora da realidade e tudo fazia para levar a sua ideia
avante, não fugindo nunca ao círculo por si criado e para onde me transportou,
sem que na verdade, me opusesse. O que julguei ser organização, revelou-se pura
obsessão. O que acreditei ser amor, mostrou-se ser opressão motivada por um
ciúme e uma insegurança doentios. O que
pensei ser pura descontracção, não passava de
alucinação como que originada pelo consumo de substâncias químicas.
Enfim… com esforço fui deixando arrastar uma situação condenada. Tanto a amei e
paradoxalmente cheguei a ter pena dela;
se não parti antes, foi porque acreditei que talvez conseguisse ajudar a
atenuar as suas tendências obsessivas.
Em vão. Só se pode ajudar quem quer ser ajudado. Para ela apenas existia
a sua realidade. Eu era já uma carta fora do baralho.
Senti-me infeliz, impotente face
à situação, e com o sentimento de não pertença àquele exíguo espaço onde tudo
tinha que ser perfeito. Era como se tivesse uma máscara que me dificultava a
respiração, e que dia após dia ia ficando mais apertada, dificultando a entrada
e saída do ar.
Já há uns meses largos que tinha
perdido o gosto por sair e conviver, embora a minha vida profissional fosse
feita da interacção com os outros e começasse a dar sinais de debilidade.
Naquela manhã tinha decidido ir
apanhar um pouco de sol e caminhar junto ao mar, esse conselheiro que no
silêncio ajuda a reorganizar os pensamentos e nos devolve energia. Deixei-a
sair e rapidamente me despachei.
T-shirt, calções e ténis, e aí ia eu! Sim, ia, porque quando tentei sair de
casa, a porta estava fechada à chave , o meu porta-chaves havia desaparecido,
bem como a carteira com os documentos e o cartão multibanco. Quase enlouqueci,
de raiva, de revolta, de frustração. Nem consigo descrever a torrente de
sentimentos e tudo o que me passou pela cabeça. Tive vontade de bater em mim próprio e de partir o que estava
ali em diante. Como era possível ter chegado a este ponto? Como me deixei
manipular e anular em nome de um suposto amor que de tão doente, me reprimia e
me asfixiava?
Impossível permanecer ali mais um
dia. Saír como? Podia chamar os bombeiros. Podia ligar-lhe a exigir que viesse
abrir a porta… Ao fim de algum tempo e de uma meia dúzia de murros nos armários
e na mesa, decidi que iria esperar por ela.
Teria os meus pertences arrumados e dir-lhe-ia que o jogo tinha chegado
ao fim. Gritasse ela ou não, nada me iria demover.
Seduzir não é amar.
Jogar psicologicamente com o(a)
companheiro (a) não é amor.
Amor, eu dei, eu senti, eu vivi.
Não sei se algum dia a ele
voltarei.
Fernando