quinta-feira, 30 de abril de 2020

Um Jogo Imperfeito


De repente caíu-me a ficha e vi a vida a desmoronar-se como um castelo de cartas.
Não estava em nenhum casino, nem o jogo decorria numa qualquer slot machine ou mesa de pano verde.
Jogo? Sim, poderei chamar-lhe jogo, já que tudo começou com um jogo de sedução mútuo que acabou por nos unir sob o mesmo tecto. Um jogo feito paixão, possessão, alucinação, opressão e por fim desilusão, frustração, separação.
Durante meses, qual gato e rato, corremos atrás um do outro, inventámos encontros, propiciámos desencontros, fugimos do óbvio e do rápido, e fomos alimentando um jogo que se por um lado nos desafiava e nos empurrava na mesma direcção, por outro, de tão ocupados com os contornos desse desafio, fomo-nos perdendo em detalhes que viriam  revelar-se fundamentais numa relação a dois.
A atracção física provocada por um flash repentino que encandeia e ao mesmo tempo incendeia o olhar, tem muitas vezes um revés a que poderei chamar de discernimento ofuscado, tal a vontade de vermos apenas o que está diante de nós, esquecendo que do outro lado existe uma parte racional, sentimental e  intelectual que compõe o todo.  E é esse todo que constitui a peça que nos falta e nos complementa. Uma relação a dois não é de todo um jogo de casino, rebuscado,  sofisticado e cautelosamente pensado e estudado,  mas uma espécie de puzzle. Algo muito mais simples, embora complexo, mas que permite ver o desenho na sua quase totalidade enquanto se organizam e encaixam as peças, com perspectiva e sabedoria.
Completo amanhã cinco anos de um qualquer jogo tipo casino, cheio dos vícios inerentes. Por ele, fui-me aprisionando, anulando nas minhas escolhas, caminhando como peça-alvo do tabuleiro mais perfeito e mais rebuscado, e vivendo uma vida interior miserável onde o meu próprio e genuíno eu  deixou de existir.
Impossível continuar assim.
O que de início era uma paixão intensa e carnal, transformou-se em fixação perfeitamente psicótica por parte dela. Estabelecia ideais fora da realidade e tudo fazia para levar a sua ideia avante, não fugindo nunca ao círculo por si criado e para onde me transportou, sem que na verdade, me opusesse. O que julguei ser organização, revelou-se pura obsessão. O que acreditei ser amor, mostrou-se ser opressão motivada por um ciúme e uma insegurança doentios.  O que pensei ser pura descontracção, não passava de  alucinação como que originada pelo consumo de substâncias químicas. Enfim… com esforço fui deixando arrastar uma situação condenada. Tanto a amei e paradoxalmente cheguei a ter pena dela;  se não parti antes, foi porque acreditei que talvez conseguisse ajudar a atenuar as suas tendências obsessivas.  Em vão. Só se pode ajudar quem quer ser ajudado. Para ela apenas existia a sua realidade. Eu era já uma carta fora do baralho.
Senti-me infeliz, impotente face à situação, e com o sentimento de não pertença àquele exíguo espaço onde tudo tinha que ser perfeito. Era como se tivesse uma máscara que me dificultava a respiração, e que dia após dia ia ficando mais apertada, dificultando a entrada e saída do ar.
Já há uns meses largos que tinha perdido o gosto por sair e conviver, embora a minha vida profissional fosse feita da interacção com os outros e começasse a dar sinais de debilidade.
Naquela manhã tinha decidido ir apanhar um pouco de sol e caminhar junto ao mar, esse conselheiro que no silêncio ajuda a reorganizar os pensamentos e nos devolve energia. Deixei-a sair  e rapidamente me despachei. T-shirt, calções e ténis, e aí ia eu! Sim, ia, porque quando tentei sair de casa, a porta estava fechada à chave , o meu porta-chaves havia desaparecido, bem como a carteira com os documentos e o cartão multibanco. Quase enlouqueci, de raiva, de revolta, de frustração. Nem consigo descrever a torrente de sentimentos e tudo o que me passou pela cabeça. Tive vontade de  bater em mim próprio e de partir o que estava ali em diante. Como era possível ter chegado a este ponto? Como me deixei manipular e anular em nome de um suposto amor que de tão doente, me reprimia e me asfixiava?
Impossível permanecer ali mais um dia. Saír como? Podia chamar os bombeiros. Podia ligar-lhe a exigir que viesse abrir a porta… Ao fim de algum tempo e de uma meia dúzia de murros nos armários e na mesa, decidi que iria esperar por ela.  Teria os meus pertences arrumados e dir-lhe-ia que o jogo tinha chegado ao fim. Gritasse ela ou não, nada me iria demover.
Seduzir não é amar.
Jogar psicologicamente com o(a) companheiro (a) não é amor.
Amor, eu dei, eu senti, eu vivi.
Não sei se algum dia a ele voltarei.
Fernando

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Leviana Sedução

Ali estava eu sentada na esplanada do Café “Les Peintres”. Na mesa um café duplo em chávena escaldada, um croissant que fazia as delícias de qualquer mortal, e o Le Monde, o meu suporte informativo e o meu elo de ligação ao mundo.  Tinha chegado há três meses a Paris, cidade que sempre me fascinou desde criança, talvez por aos cinco anos de idade ter começado as aulas de francês, língua que me acompanhou ao longo da vida até à conclusão dos estudos universitários, e me abriu os horizontes para a cultura, valores e história de França. Lembro-me de a partir dos  meus oito anos, me dirigir à Biblioteca Municipal e procurar livros de banda desenhada escritos em francês, e gradualmente as minhas preferências irem recaindo sobre livros mais “sérios”, o que levava a minha tia, a bibliotecária na altura, a fazer requisições em nome dela, já que eu era demasiado jovem para aquelas literaturas.  Eu e um grupo de amigas tínhamos tal fixação por tudo o que dizia respeito a França , que chegámos ao ponto em que a nossa  conversa era em francês, as refeições eram inspiradas na culinária francesa, as revistas que encomendávamos na papelaria eram obviamente sobre os artistas franceses, e tentávamos copiar os modelos dos costureiros franceses para costurarmos as nossas próprias roupas. Sentiamo-nos umas teen-agers perfeitamente cativas da  cidade luz, se bem que nenhuma de nós tivesse visitado Paris antes de termos concluído a faculdade, nem existirem canais de televisão à nossa disposição para melhor apreendermos a realidade. Tudo era baseado nos livros, nos filmes que íamos ver ao cinema, nas revistas que encomendávamos ao Sr.António e que nos chegavam às mãos passados dois meses, nos discos de alguns artistas que chegavam aos escaparates das lojas e que pontualmente conseguíamos ouvir na rádio.
No rescaldo da Faculdade e após encontrarmos  trabalho, o mealheiro começou de imediato a ser feito. E assim, passado um ano conseguimos o nosso objectivo: conhecer Paris. Confesso que superou em muito as minhas expectativas. Apaixonei-me de imediato e digeri muito mal a angústia do regresso passados quatro dias. Havia tanto para conhecer, tanto para explorar e perceber…
Sempre que conseguia amealhar uns escudos o meu destino era invariavelmente Paris. Por último comecei a ir sozinha. Era uma necessidade. Sentia que lá me conseguia encontrar comigo própria. Longe da pressão do escritório. Longe dos rostos sinistros que diariamente me sugavam energia. Longe de uma vida algo ambígua, onde por um lado tinha que fazer e parecer bem, e por outro, o meu eu discutia comigo e tentava empurrar-me para outro caminho mais feliz, mas menos convencional e menos óbvio.
Entre ser a “executiva” bem posta, onde nada podia falhar, e ser a autêntica, após anos de debate interior, optei pela segunda, mau grado as opiniões e censura da família. Onde já se viu ter um emprego bom, certo, e deixar tudo para trás para recomeçar noutro país? Que eu devia ter enlouquecido, que era uma desprendida, enfim… Apesar  da incompreensão da família, decidi abandonar o meu gabinete, abandonar Lisboa e ir viver na cidade do Sena. Já tinha feito umas pesquisas de trabalho e de apartamentos para arrendar, e percebi que teria uma relativa facilidade em me desenrascar. Afinal a cidade já me era familiar. Os seus bairros, com características distintas entre si tinham todos os seu encanto particular. Até já conhecia uma boa dúzia de pessoas, que iam cruzando os meu caminho nas viagens anteriores. Não iria sentir-me completamente só, apesar de o que mais prezava naquela altura, ser o silêncio de estar só, comigo.
Após quatro dias de estadia num hotel barato, consegui encontrar um apartamento simpático no meu bairro preferido, Montmartre. Ali respirava-se a cultura francesa, mas não só. Muitos eram os que ali vinham fixar-se na procura de inspiração, de integração nos meios culturais, de partilha de experiências de vida, do pensamento, da utopia. Gentes de todos os quadrantes culturais e intelectuais povoavam as ruas, as praças, os cafés e o restaurantes do chamado bairro dos artistas. A minha escolha não recaíu naquela zona, por uma qualquer tendência artística, mas sim pela liberdade de pensamento que sentia no ar. Pela sensibilidade e disponibilidade dos residentes. Pela beleza típica das ruas e dos prédios. Por um certo viver mundano e de tertúlias, que me fascinava e me permitia “estudar” as pessoas, as suas vivências, e assim ir percebendo e aprendendo um pouco mais sobre o mundo.
Comecei a seleccionar ofertas de emprego. O meu francês era fluente, e não tinha qualquer dificuldade de abordagem. Curiosamente, numa das entrevistas a que fui, o meu interlocutor era português. Licenciado em sociologia e história de arte, tinha fundado uma associação ligada aos vários tipos de arte, onde integrava jovens com reduzidas possibilidades financeiras para desenvolver os estudos, permitindo-lhes não só potenciarem as suas competências artísticas, mas também proporcionar-lhes um grau de ensino adequado. Um projecto ambicioso e super interessante.  A minha experiência nos ramos artísticos não era muita, mas existia em mim uma alma criativa que aliás, me “empurrou” para fora do escritório rotineiro e cinzento que ocupava em Lisboa. Com algum trabalho,  recolha de informação, dedicação e humildade, pensei conseguir corresponder ao desafio que me era colocado. Um mundo diferente, com mais calor humano, com ideias, e projectado para ajudar pessoas. Pareceu-me muito, muito bem. Fiquei com o lugar de adjunta de Nuno. Assim se chamava.
O facto de sermos os dois portugueses, embora com histórias de vida diferentes, contribuíu para o cimentar do trabalho em equipa.  Apesar de estarmos num país estrangeiro, o nosso pensamento tinha uma raiz comum, o que facilitava imenso toda a complexa organização e funcionamento da associação. Através dele conheci pessoas incríveis que me acrescentaram imenso enquanto pessoa e enquanto profissional.
Nuno estava em Paris há quinze anos. Chegou para fazer o mestrado e acabou por ficar. Pessoa extremamente metódica no trabalho, mas sonhador nos projectos, tem um ritmo frenético e intenso. Quarenta anos feitos, continuava a viver na primeira casa que o albergou, tendo por companhia um labrador. Confessou-me tempos depois que continuava solteiro e só, pois tinha tido uma paixão mal sucedida, tanto  doentia, como  arrebatadora e obsessiva. Conhecera a sua diva na Faculdade. Ao que parece uma daquelas miúdas giras, atraentes e que sabe insinuar-se de forma a deixar a cabeça de um homem à roda. Tão depressa o seduzia profundamente, fazendo-o acreditar que nada nem ninguém mais existia, como lhe travava a entrega e a expressão da louca paixão que sentia por ela. Era uma espécie de bipolaridade onde o sensual despertava o carnal, fazendo-o perder qualquer tipo de raciocínio, e deixando-se levar, para logo depois se remeter ao papel de subjugado a uma vontade e um querer caprichoso. Era assim uma espécie de querer e não querer, de atiçar e refrear, de incendiar e deixar arder sozinho. Definitivamente uma relação, perdição ou maldição que deixou Nuno miseravelmente descrente no que a relacionamentos amorosos diz respeito. Tem tido umas namoradas, mas nenhuma conseguiu ainda curar-lhe a ferida aberta por aquele corpo serpenteado e quente, habitado por uma mente demoníaca.
Dizia eu que estava sentada no “Les Peintres” a tomar o pequeno almoço enquanto passava os olhos pelo jornal. A manhã estava soalheira mas extremamente fria, como frias são as manhãs de Dezembro em Paris. “Bom dia Carla.” - Bom dia Nuno! Tão cedo por aqui? Estou só a aquecer a alma com o café e vou já para a associação. Passa-se alguma coisa?
“Nada de especial, mas sabia que te encontraria aqui e tenho um pedido a fazer-te.  É uma ideia que ando a remoer, mas hoje decidi partilhá-la contigo, porque sei que consegues.”
Medooo… quando Nuno falava neste tom de voz, com tantas certezas de eu conseguir fosse o que fosse, era pela certa, desafio daqueles que me deixavam noites sem dormir …
“Carla, precisamos de um guião para um sketch que vai ser musicado. Aliás, o que precisamos mesmo é de uma história que alguém irá ler, enquanto personagens representam em silêncio ao som da música.  O tema não é fácil, mas sei que vais conseguir abordá-lo. “ - Eu?? Nuno, mas tens o tal guionista de que já me falaste … Ele não tem disponibilidade? - “Não Carla. Não falei com ele sequer. Gostava que fosses tu. Tu tens a sensibilidade e a elegância para escrever a peça que vai exorcizar o meu medo e o meu mau estar… não posso falar deste assunto a mais ninguém, percebes? É uma fragilidade minha que desabafei contigo e que sei que percebeste e que respeitas.”
- Nuno, queres que ponha por escrito, para apresentar publicamente a história da relação doentia entre ti e a tal diva? Passados estes anos todos queres voltar ao assunto? “Exactamente. Disseste-me há tempo que só nos libertamos dos nossos fantasmas se conseguirmos exorcizá-los, seja qual for a forma. É isso que quero fazer. Uma pequena peça para onde possa transpor toda essa realidade em forma de imaginário. Só assim acabarei com esse fantasma e devolver-me-ei o acreditar. Não posso continuar a pensar no mesmo. Não dá.”
Seis meses depois estávamos em Portugal a fazer a apresentação do trabalho, depois de uma calorosa recepção em Paris, na sede da associação, ali mesmo naquele bairro onde se respirava liberdade, onde a luz das ideias se propagava e onde era tão fácil pensar…
Leviana Sedução, assim se chamou.
Carla, Nuno

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Estrela


Às vezes dou comigo a pensar como teria sido a minha vida se não te tivesse conhecido, e percebo que muitas coisas não fariam sentido. Nem eu faria sentido… Lembro-me tão bem do dia em que nos conhecemos. Fazia eu o percurso diário entre casa e o clube onde,  nos fins de tarde, enquanto estrangeiros com côr de lagosta se rendiam ao um bom vinho branco ou rosé português por entre gargalhadas estridentes, eu dava asas à minha imaginação numa tela cuidadosamente colocada no cavalete, e onde o pincel ia abrindo caminhos ao sabor das cores da paleta, do momento, do ambiente e da motivação.
Tinha parado para cumprimentar um amigo de longa data que não via há alguns anos, e com o entusiasmo da conversa e do encontro, acabei por me esquecer da mochila, encostada ao muro da praia e segui o meu caminho normal em passo apressado. Tu vieste a correr atrás de mim, e qual anjo da guarda, entregaste-me um dos meus bens mais preciosos no momento. Era lá que guardava as tintas e os pincéis com que, como me dirias mais tarde, “escrevia poesia” nas telas. Reconhecido e atordoado agradeci-te. “ Muito obrigado. Nem imagina o quanto lhe agradeço. Há momentos de sorte. Encontrei um amigo que não via há anos e com tanta conversa, acabei por me esquecer da mochila. Ainda há pessoas de bem, como a menina. Sem isto não conseguiria trabalhar hoje.” - Não tem de quê. Estava sentada no muro e reparei que quando se despediu do seu amigo a deixou esquecida. Só tinha que lha entregar. Ainda por cima, se me diz que é o seu material de trabalho, muito mais importante. Fico contente por ter contribuído para que o seu dia não ficasse estragado.
Um sorriso enorme emoldurado por um rosto bronzeado e cabelo castanho apanhado, mas com meia dúzia de falripas desalinhadas, não sei se de propósito. As mulheres por vezes esmeram-se num look que pensamos ser casual, mas onde tudo é estudado. Não consegui ver a cor dos teus olhos, pois os óculos com lentes escuras e espelhadas, não me permitiam passar para o lado de lá.  A tua voz era calma e clara. Gostei da tua dicção e imaginei-te a minha musa para esse dia. “ E não queira saber de que forma contribuíu. Nem sei como agradecer.” - Não precisa agradecer. Fiz o meu dever. Desejo-lhe uma boa tarde de trabalho. Adeus.
Rodopiaste sobre os calcanhares e viraste costas. Tinhas um andar elegante num vestido de praia branco, solto e que te realçava o bronzeado. Eras o anjo da guarda perfeito. Segui para o clube. Nessa tarde tinham convidado um pianista e iríamos ensaiar um experiência nova. Eu tentaria compor a minha tela e nela traduzir imagens que o cérebro me transmitia tendo como fonte o som que vinha das teclas. Seria o desafiar dos sentidos em modo live. Sentia-me bem, leve, inspirado e o trabalho fluíu. A tua boa energia tinha-me contagiado e eu estava a precisar dela… Um artista, aspirante a artista, pseudo-artista ou fosse lá o que me quisessem chamar, tinha grandes dificuldades em sobreviver e ser reconhecido, num país onde a cultura é acessório, e onde é visto como uma pessoa de um sub mundo algo “parasita” e de outra dimensão. O artista era uma pessoa “estranha” aos olhos da sociedade. Esse era o motivo de grande parte da minha inconstância, das minhas semi-depressões, das minhas fugas e da constante procura por algo novo que me trouxesse boas vibes.
- Very nice work, disseram uns; ohhh… amazing picture, disseram outros; très joli! J´aime beaucoup ce travail! Vous avez l´âme d´un grand artiste! - Fiquei contente com os comentários e o meu ego sentiu-se mais aconchegado. No entanto, o sucesso desse dia devia-se a ti.
A direcção do clube decidiu repetir o formato semanalmente até final de Outubro. Face à boa receptividade por parte dos clientes, decidiu também que com a minha concordância, os quadros seriam leiloados entre os visitantes. Foi assim que consegui amealhar alguns escudos extra que permitiram, mais tarde,  partir contigo mundo fora.
Acabada a maratona estial, arrendei um quarto em Lisboa, próximo do Largo de Camões, numas águas furtadas de um prédio centenário e algo decrépito. Era o mais económico dos que tinha visto, e a dona da casa permitia que cozinhasse as minhas refeições, evitando gastos extra nos restaurantes ou nas tascas. Afinal, a minha passagem pela capital era de pouca dura. Apenas o tempo suficiente para me organizar e partir em viagem à procura de outros mundos, de outras fontes de inspiração, de outras técnicas e de novos conhecimentos.
- Boa tarde. Desculpe, mas estava sentada naquela mesa e acho que o reconheci pela mochila. É o senhor a quem devolvi a esperança numa tarde de verão no Algarve, certo?
Upssss….. ali estavas tu! O meu pensamento tinha divagado tanto durante estes meses…. Quem seria a musa que nunca mais tinha avistado? Não que não tivesse percorrido toda a praia, toda a localidade, todos os cafés e bares, mas nada… de ti nem sinal… contigo sonhei, contigo falei em silêncio, a ti pintei, a ti devo um novo recomeço. “ Olá! Boa tarde! Sou exactamente eu! Que bom voltar a encontrá-la! Não nos cruzámos mais lá pelo reino dos Algarves… Quero que saiba que lhe estou extremamente agradecido. Quer sentar-se?”
E pronto! Ali ficámos a conversar na esplanada da Brasileira, entre cafés, águas e dois duchesses maravilhosos e cremosos.
Eva. Quando me disseste o teu nome, embora não me sentisse na pele de um qualquer Adão, pensei que era o nome perfeito para ti. Eva, fazia-me sentido.
Fiquei a saber da tua sensibilidade artística, que não olhavas os artistas como gente “estranha e parasita”, e que te movimentavas com um certo à vontade nesses meios. Questão de educação e de cultura. Quando te contei da minha intenção de viajar e descobrir novos mundos, o teu saber e o teu entusiasmo redobraram-me a expectativa e a ânsia de partir aumentou. Sabias tantas coisas… que gosto imenso falar contigo. Nem se dava pelo tempo passar.
A essa tarde na Brasileira seguiram-se outras tantas, em cafés, esplanadas, bares, jardins, museus; acho que tomámos Lisboa de assalto e que em simultâneo, de assalto também os nossos sentidos e os nossos sentimentos iam sendo tomados. Entre nós cresceu muito mais do que uma amizade e uma cumplicidade ímpar. Floresceu e cresceu uma paixão bonita, assente na admiração e no respeito mútuos. Não nego que me ensinaste muito, que me ajudaste a desbravar um mundo que eu apenas conhecia pela rama. A ti devo os horizontes que fui descobrindo, uma nova forma de viver e encarar a vida, e as muitas noites e dias de amor, partilha, entrega e carinho, em forma de sinceridade e pureza.
Dei-te o melhor de mim, aquilo que nem eu sabia existir no esconderijo mais profundo do meu ser. Sei que te dei paz, amor infindo e intenso vivido entre quartos de hoteis ou de casas que íamos arrendando quando a permanência num local era mais demorada, fosse ela Paris, Nice, Roma, Florença, Atenas, Londres, ou qualquer outra cidade ou vila onde nos sentíssemos felizes.  Dei-te o meu corpo, a minha alma,  o meu ser. Ambos crescemos por dentro e percebemos o sentido das nossas vidas.
Nunca fizemos promessas nem juras de amor eterno. As promessas esfumam-se no ar e nós preferíamos viver aquilo que cada dia nos dava. Sabíamos que os nossos afazeres profissionais por vezes nos trocavam as voltas, e se eu precisava de paz e um certo ambiente para criar e pintar, o ritmo alucinante das gravações dos teus takes no cinema deixavam-te frenética, nervosa e faziam perigar a minha liberdade de estar e de criar. Enfrentámos momentos difíceis, que com inteligência soubemos superar. Afinal os dois éramos um só, não apenas quando unos fazíamos do chão o nosso quadro de amor e paixão, mas também no cenário e no palco que escolhemos seguir.
Hoje, recordo-te com uma saudade imensa, indescritível. Abri o teu roupeiro e não resisti a pegar num dos teus vestidos que mais gosto, aquele que tinhas vestido no dia em que nos conhecemos e que tinha lugar cativo na mala de viagem, sempre que mudávamos de terra. Uma espécie de amuleto que transportavas sempre, embora já não o usasses. Ah como o teu cheiro impregna os tecidos, os sentidos e todo o ambiente onde tu estás.
Ainda enebriado pelo teu perfume sentei-me no terraço.  Olhei para a imensidão de estrelas e lá estavas tu. Cintilavas mais do que todas as outras, com a luz que te é tão própria e tão tua, como se estivesses a piscar-me o olho. Boa noite, meu amor.
Jorge e Eva

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Asas de Anjo


Um fim de tarde que tinha tudo para ser perfeito. Lugar privilegiado aquele onde serenamente contemplava a natureza. No cume da serra, onde o único barulho era o dos pássaros e o de alguns cães das quintas em redor, enebriava-me de paisagem, de céu e de sol. No cadeirão virado a poente ajeitava-me para desfrutar e fotografar o imenso pôr-do-sol que se adivinhava. Olhando para norte, e depois do imenso vale onde povoados pintalgavam uma enorme mancha verde e castanha, erguia-se a mãe das serras portuguesas, a impôr-se à região beirã.  Mais uma vez olhei para o seu recorte, e me lembrei de tantas subidas feitas por estradas estreitas e curvas. Gostava mais da serra no Verão. Definitivamente não sou pessoa de frio, nem de neve, apesar de lhe reconhecer uma beleza desafiante, e de me ter já divertido bastante em escorregadelas e tentativas de esquiar. No entanto, é a paisagem agreste da serra que me cativa. As pedras, as encostas onde podemos imaginar e adivinhar figuras, a componente selvagem.
Se a paz existia, era ali naquele lugar, onde o tempo parecia não avançar, e onde a chamada “civilização” ficava distante, sem televisão que trouxesse notícias e imagens negativas, nem telefone, por não existirem cabos até à quinta. Eram minha companhia além dos proprietários, alguns hóspedes que procuravam essa mesma paz, os livros que trazia, um ou dois cadernos, a máquina fotográfica e um rádio de pilhas que se encarregava de me actualizar face ao mundo, mas que, sobretudo, me trazia para companhia as vozes e as músicas dos meus artistas preferidos, e que ajudavam de alguma forma a compor uma parte da banda sonora da minha vida.
Quando o liguei naquela tarde, alguém lia as notícias. Escutei-as e fiquei melancólica, como se uma espécie de luto se apoderasse de mim. Eram sobre a guerra na Bósnia. Mais um ataque a Sarajevo. Mais um acto de terror, de destruição maciça e de mortes. Mortes de pessoas inocentes, numa terra à procura de sarar as feridas das duas Guerras Mundiais que a devastaram. Resilientes e determinados, os seus habitantes deitaram mãos à obra na sua reconstrução, tornando-a num importante centro industrial, mas passadas poucas décadas outro capítulo de devastação estava a escrever-se na história da humanidade.
Olhei para o vale. Imaginei aquela cidade recheada de história, ali instalada. Em redor montanhas. Como é possível alguém tentar defender-se ou escapar, quando das colinas que a cercam chovem bombas,  morteiros e mísseis de forma aleatória, destruindo tudo? Missão hercúlea e quase impossível para uma cidade recém reconstruída e sem meios equivalentes que lhe permitam defender-se.
Lembrei-me da última viagem que fiz a Sarajevo. Foi em 1990. Já nessa altura se notava a força da reconstrução e do desenvolvimento. Nos quatro dias que lá passei tive a oportunidade de privar com  algumas pessoas. Simpáticos, cultos, determinados, mas sofridos. Eram bem evidentes os traumas e as dificuldades destas gentes. A  alma da cidade era de uma beleza misto de história, misto da vivência dos seus habitantes.
Em nome de quem se cometem estes crimes? Em nome de quem se tiram vidas a inocentes, se privam crianças de ter um futuro, se hipotecam economias com tanques de guerra e canhões assassinos? Alguém tem o direito de ocupar o espaço dos outros numa carnificina inqualificável? E o Mundo, tal como o conhecemos demite-se e deixa que esta barbárie aconteça? Onde estão as instituições para a paz? Onde estão as instituições de solidariedade para apoiar estas gentes sofridas e necessitadas de tudo?  Fiquei profundamente incomodada e revoltada.
Ao pensar nos factos que desencadeiam estas situações, concluo que estamos nas mãos de pessoas perigosas, profundamente desequilibradas psicologicamente e mal amadas. A sua defesa interior refugia-se na arrogância,  na prepotência, numa ambição desmedida, e numa falta de ética moral aberrante e incomensurável.
Desliguei o rádio. Triste, senti-me impotente. Queria gritar. Gritar bem alto a revolta, a injustiça a que aquele povo estava novamente sujeito.
Esqueci as fotografias do pôr-do-sol. Tirei o caderno do saco e pus-me a escrever. Sabia que não seriam muitas pessoas a ler-me, mas não podia ficar quieta nem calada. Conhecia uma meia dúzia de jornalistas em algumas redacções, e com um pouco de sorte conseguiria uma publicação ainda que num jornal ou revista de segunda ou terceira categoria. Também podia fotocopiar o artigo e distribuí-lo. Seria uma forma de sensibilizar as pessoas para a catástrofe humanitária em Sarajevo. Era impossível ficar indiferente. Era esta a única forma, ao meu alcance, de fazer a minha parte, por aqueles que diariamente com asas de anjo, subiam ao céu.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Uma Viagem Chamada Vida

O jantar tinha sido animado e a boa disposição característica do nosso grupo pedia que a noite prosseguisse algures. Decidimos ir para a praia. A noite estava quente, estrelada e a lua reflectia num imenso mar prateado.
As gargalhadas eram gerais e rir das nossas próprias parvoíces era já um hábito. Que sorte mantermos este grupo de praia ao longo do anos. Crescemos a jogar à bola ou badmington ou em ritmo mais calmo, a jogar king debaixo dos toldos. Era o período do ano pelo qual ansiávamos. Os dois meses de Verão que passávamos na praia, eram a inspiração para o estudo e para tirarmos boas notas, não fosse dar-se o caso de os nossos pais nos colocarem de castigo, o que se revelaria injusto aos nossos olhos, e uma enorme frustração. Com o correr dos anos fomos alargando o grupo, já que cada um trazia para as férias mais maravilhosas do planeta, alguém que comungasse do espírito de festa e quisesse desafiar o tempo, o espaço e os momentos que saudavelmente partilhávamos. Dos seis iniciais, fundadores do grupo por assim dizer, contávamos já quinze pós teen. Engraçado como o país quase estava representado entre nós. Porto, Guimarães, Coimbra, Lisboa, Mafra, Beja e Silves. E como nos ríamos dos vários sotaques, acabando por arranjar uma espécie de dialecto que só nós entendíamos e que nos dava o maior gozo na presença de terceiros, que ficavam literalmente a pensar que seríamos um bando de jovens malucos. Os anos foram-se passando, todos fomos crescendo e organizando as nossas vidas, mas a amizade que nos unia era saudavelmente sincera. Durante o ano arranjávamos forma de nos encontrarmos todos pelo menos durante dois fins de semana, um a Norte e outro em Lisboa, já que as nossas Faculdades eram lá.

- Luís, podias ir buscar a viola a casa. A noite está tão boa que podemos ficar pela praia e fazer uma jam. Vais?
- Pois … nada mais havendo para fazer, lá terei que ir. Vocês têm a certeza que não querem ir sair a lado nenhum?
Não! Resposta geral. Além de todos termos exagerado um pouco na sangria e ser contraproducente ir conduzir, sair todas as noites para ir a discotecas em localidades próximas, era cansativo. De vez em quando era necessário fazermos a chamada “noite higiénica”, sem o som altíssimo da Horta 2, do Kiss, da Trigonometria ou outra qualquer discoteca que nos desafiasse.
- Olha, tu trazes a viola e de caminho eu vou com alguém ver se ainda conseguimos apanhar o supermercado aberto e trazer umas bebidas frescas e uns salgados. Quem se oferece? Tu? Bora lá então. Até já people.
Hummm … uma espécie de nervoso miudinho misturado com borboletas tomou conta de mim. Conhecía-mo-nos há 10 anos. Todos os verões passávamos juntos mais horas do que com as nossas famílias enquanto durava a estadia algarvia. Tínhamos imensas cumplicidades, e éramos por assim dizer, o elo de ligação daquele grupo maravilhoso. Crescemos e a nossa amizade nunca foi beliscada, nem quando me “picava” com anedotas de alentejanos, ou quando gargalhava e troçava das minhas expressões ingénuas e simples de miúda da província. Não era por mal que o fazia. Apenas porque lhe dava graça, como a mim me divertia aquele sotaque nortenho que ao fim de três dias de convivência, me punha a trocar os vês pelos bês, ou a pedir um cimbalino na esplanada.
Ainda só estávamos de férias há uma semana, mas qualquer coisa tinha mudado em mim, e arriscava-me a pensar, em nós dois. Uma serenidade aparente escondia algo que estaria a inflamar-nos. Seria uma forma diferente de atracção? Não fazia sentido. Conhecía-mo-nos há tantos anos e agora é que nos tínhamos “olhado” com olhos de ver? Queria afastar o nervosismo que estupidamente me provocava o facto de estarmos sós. Nunca tal acontecera. Em passo apressado dirigi-me ao supermercado com a desculpa de que deveria estar quase a fechar, e rapidamente fizemos as compras, numa ânsia de voltar para junto do grupo. Não percebia muito bem o que se estava a passar comigo. Só sabia que pela primeira vez me sentia perturbada na sua presença e que a voz me tremia.
- Espera! Estás tão apressada porquê? Passa-se alguma coisa? Não estás bem? - Pronto! E agora? Responder o quê? ...Não, não se passa nada. Que ideia a tua. Era apenas para nos despacharmos porque o Luís já deve estar na praia e o resto do pessoal aguarda pelas bebidas e pelos salgados. Além disso sabes bem como adoro quando estamos todos juntos a cantar e a gargalhar.
E assim me desculpei, meio atabalhoadamente.
Na roda já só restavam dois lugares. Os nossos. Ficámos lado a lado. Não sei se de propósito, ou se por inspiração de uma qualquer força superior, as canções que nos calhavam nos improvisos, tinham sempre sequência e versavam amores e paixões. Ditavam as regras, as nossas regras de grupo, que quem terminasse uma estrofe, passaria o último verso a quem estivesse ao seu lado. Eu, que tinha tanta facilidade no improviso, bloqueei ao fim de quatro versos. Como pegar no verso dele sem me denunciar? Sem transparecer a minha luta interior? O pior é que ele já tinha percebido e seguríssimo de si, continuava a debitar palavras que cada vez me tornavam mais sensível ao tema.
Desculpei-me com uma enxaqueca repentina que nem sequer existia, e entre os comentários de uns a dizer que tinha sido da sangria, e outros a argumentar com sol a mais de tarde, ou até com o desgraçado do gin que jazia ao meu lado, em meio de beber.
Consegui concentrar-me, respirei fundo, e lá me organizei mentalmente para desfrutar a noite. Certamente tudo não passava de um devaneio meu…
Já o sol queria dar os primeiros sinais de uma nova manhã quando a nossa jam super improvisada acabou. Não demoraria para que os “abridores” da praia chegassem. Gente madrugadora que ao raiar do sol agarra nas cadeiras e nas cestas e ruma em direcção ao areal para aproveitar as melhores horas, diziam. Melhores horas? Melhores horas são aquelas em que nos sentimos felizes, rematei face à observação da Maria.
- Achas mesmo? Então diz-me lá se esta é uma das tuas melhores horas? - ai ai ai… pensei, estás a desafiar-me, mas não vou perder o controle da conversa…. Claro que sim! Estarmos juntos, estarmos vivos, celebrarmos a amizade e partilharmos estes momentos não te traz felicidade? A mim traz-me, por isso, a resposta é sim! - Só isso? … - Sim. Faltou dizer alguma coisa?
Aproximou a sua boca do meu ouvido e sussurrou: “ E o amor não entra nas tuas melhores horas? Deixa-os afastarem-se que quero falar contigo”. … Fitei-o de olhos esbugalhados, coração aos saltos e o estômago a borboletar de tal forma, que vomitei todos os salgados que devorei durante a noite. Denunciei-me por completo. Sorte que já todos tinham subido para a avenida e ninguém deu por nada. Lavei a cara no mar, e mais calma disse-lhe: “ Queres falar comigo? Sobre?”
Antes que eu pronunciasse mais uma única palavra, agarrou-me contra si e calou-me com um longo beijo.
- É isto o que tenho para falar contigo. Mexeste comigo desde o primeiro dia de férias deste ano e sei que sentes o mesmo. Aliás, mexes comigo há já alguns anos, sem que quisesse reconhecê-lo. Não é uma paixão de Verão. É muito mais do que isso. Quero estar sempre contigo. Amo-te.
Credo… tudo tão de repente. O discurso estava alinhado, treinado… Mas a verdade é que comigo o sentimento era igual. A amizade profunda e cúmplice deu origem a algo mais. Algo estruturado, amadurecido.
De mãos dadas caminhámos à beira-mar. Era tão bom sentir o fresco da água nos pés e um calor no coração… Falámos sobre as nossas vidas, sobre os nossos projectos individuais, sobre viagens, sobre as nossas paixões, sobejamente conhecidas um do outro, mas não exploradas a fundo. Uns dois quilómetros à frente, naquele imenso areal, sentámo-nos numa duna. O sol já se declarava, mas a brisa da manhã não permitia que aquecesse muito. Escondemo-nos na vegetação numa entrega total. Aquela seria a nossa duna. A duna do nosso contentamento, nossa cúmplice, confidente, chão dos nossos projectos e asas da nossa liberdade. Lá ,voltaríamos amiúde durante aquele Verão. Sabíamos que dois meses eram nossos e que o horizonte da Faculdade estava além, numa distância de 4 horas de caminho, em cidades diferentes, e que a solidão dos livros nos esperava. Decidimos não antecipar a angústia da separação, mas viver o presente, amar-mo-nos, viajarmos dentro de nós, descobrirmos as pequenas coisas, e desfrutarmos daquela nossa história de encantar.

Hoje, como naquela noite, reunimos o grupo, jantámos, fomos para a praia e apesar dos cabelos grisalhos ou com madeixas, da uma dor aqui ou ali, de umas barrigas mais proeminentes, ou de umas rugas algo teimosas, todos ocupámos os mesmos lugares, contámos anedotas, cantámos ao som da nova viola do Luís, e agradecemos pela amizade, pelo amor e por esta viagem tão enigmática como desafiante chamada vida. Cheers!