“E mais uma vez recomeçavam a jogar, não sem que ao Luís,
restasse alguma esperança de pelo menos uma vez, conseguir ganhar.
Porquê? Porque é que naquele
grupo de cinco miúdos, habituados a tardes inteiras de convívio, jogos e
brincadeiras, era ele quem invariavelmente acabava por perder? Se se sentia um
privilegiado por ser dotado de capacidades intelectuais que o faziam
distinguir-se dos outros, não fazia
sentido nenhum, dia após dia, ter que conviver com aquele sentimento que o
entristecia – perder um jogo.
Aninhas, a irmã mais nova, 7 anos
acabadinhos de fazer, era perspicaz e atenta. Bastava uma pequena distracção de
qualquer um dos irmãos, e já ela levava o jogo em avanço, o que geralmente gerava
briga pela parte dos séniores.
Esta miúda vai longe – comentava o
pai, estupefacto com a sua capacidade de
raciocínio rápido. O facto é que
Aninhas, menina furação, para quem as regras e as obrigatoriedades lectivas
eram um desagrado, tinha uma capacidade invulgar quando posta em confronto com
outros parceiros de brincadeiras e jogos.
E assim, ela brilhava, ela ia criando o seu mundo, a sua corte, argumentando com os demais, firmando as suas
convicções, e todos lhe ficavam rendidos.
Zeca, Maria e Afonso, trigémeos e
irmãos do meio deste quinteto, divertiam-se na sua cumplicidade intrínseca, a aquecer
os ânimos entre Luís e Aninhas. Não
fosse a mãe, a controlar à distância esses momentos de menor cordialidade, e o
jogo acabava com as peças espalhadas, os cartões amarrotados e verdadeiras
fúrias entre eles. Que fazer então, quando se tem filhos com temperamentos e
características tão diferentes? Por vezes sentia-se perdida… e lá ia pensando que cada pessoa é única, com
suas virtudes e defeitos, que acabariam por se aceitar uns aos outros, e que a
ela competia educar, dar regras, ensinar o caminho, mas teriam que ser os filhos,
cada um à sua maneira a trilhá-lo. Afinal, no seu dia a dia, na sua profissão,
era com isso que lidava: os pacientes que recebia no consultório, eram todos
diferentes, e a ela apenas competia ajudar a tornarem-se pessoas melhores, a
estarem bem consigo e com os outros, e aceitarem o mundo envolvente,
independentemente da condição socio-económica, religião ou outros aspectos
particulares.
Afinal, tudo na vida das pessoas
serve para medir, tirar ilacções, orientar, e ajudar. Todas são diferentes e como tal devem ser
respeitadas. Era esse o discurso final que fazia aos seus 5 filhos no final de
tais confrontos. Apenas três coisas devem ser comuns a todos: respeito,
verdade, honestidade.
- Meninos, por hoje acabou o
jogo! Horas de jantar!”
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