quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Jogo da vida


“E mais uma vez  recomeçavam a jogar, não sem que ao Luís, restasse alguma esperança de pelo menos uma vez, conseguir ganhar.

Porquê? Porque é que naquele grupo de cinco miúdos, habituados a tardes inteiras de convívio, jogos e brincadeiras, era ele quem invariavelmente acabava por perder? Se se sentia um privilegiado por ser dotado de capacidades intelectuais que o faziam distinguir-se dos outros,  não fazia sentido nenhum, dia após dia, ter que conviver com aquele sentimento que o entristecia – perder um jogo.

Aninhas, a irmã mais nova, 7 anos acabadinhos de fazer, era perspicaz e atenta. Bastava uma pequena distracção de qualquer um dos irmãos, e já ela levava o jogo em avanço, o que geralmente gerava briga pela parte dos séniores.

Esta miúda vai longe – comentava o pai, estupefacto com a sua  capacidade de raciocínio rápido.  O facto é que Aninhas, menina furação, para quem as regras e as obrigatoriedades lectivas eram um desagrado, tinha uma capacidade invulgar quando posta em confronto com outros parceiros de brincadeiras e jogos.  E assim, ela brilhava, ela ia criando o seu mundo, a sua corte,  argumentando com os demais, firmando as suas convicções, e todos lhe ficavam rendidos.

Zeca, Maria e Afonso, trigémeos e irmãos do meio deste quinteto, divertiam-se na sua cumplicidade intrínseca, a aquecer os ânimos entre Luís e Aninhas.  Não fosse a mãe, a controlar à distância esses momentos de menor cordialidade, e o jogo acabava com as peças espalhadas, os cartões amarrotados e verdadeiras fúrias entre eles. Que fazer então, quando se tem filhos com temperamentos e características tão diferentes? Por vezes sentia-se perdida…  e lá ia pensando que cada pessoa é única, com suas virtudes e defeitos, que acabariam por se aceitar uns aos outros, e que a ela competia educar, dar regras, ensinar o caminho, mas teriam que ser os filhos, cada um à sua maneira a trilhá-lo. Afinal, no seu dia a dia, na sua profissão, era com isso que lidava: os pacientes que recebia no consultório, eram todos diferentes, e a ela apenas competia ajudar a tornarem-se pessoas melhores, a estarem bem consigo e com os outros, e aceitarem o mundo envolvente, independentemente da condição socio-económica, religião ou outros aspectos particulares.

Afinal, tudo na vida das pessoas serve para medir, tirar ilacções, orientar, e ajudar.  Todas são diferentes e como tal devem ser respeitadas. Era esse o discurso final que fazia aos seus 5 filhos no final de tais confrontos. Apenas três coisas devem ser comuns a todos: respeito, verdade, honestidade.

- Meninos, por hoje acabou o jogo! Horas de jantar!”

 

 

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