segunda-feira, 9 de março de 2015

Sentidos


“Era mais uma manhã daquelas em que os raios do sol rasgavam por entre os cortinados que ondulavam ao sabor da brisa que se fazia sentir, criando imagens curiosas que reflectiam na parede do quarto. Ficou a contemplá-las e a imaginar o que poderiam ser.  Pássaros, borboletas, árvores a ondular com o vento, bustos em corrida fugaz, enfim…. Figuras. Figuras que poderiam ser tudo aquilo que quisesse ver nelas.

Curioso como a imaginação nos transporta para mundos tão díspares, tão transcendentes.

Repentinamente, olhou o relógio, soltou um suspiro de aflição, e apercebendo-se que tinha demorado tempo demais na contemplação das “suas” imagens,  levantou-se da cama, bem acordada para a vida real, e começou naquela sua rotina diária, com tempos e compassos marcados, qual pauta de música onde tudo tem forçosamente que encaixar, por forma a harmonizar a composição diária da sua vida.

Duche, roupa, pequeno almoço, breve arrumação de casa, mala, computador, café da manhã na pastelaria da esquina, jornal no quiosque logo ao lado, bons dias às caras que há anos se cruzam no mesmo caminho à mesma hora, chave do carro, e finalmente a caminho de mais um dia de emoções, de realizações, de ajudar alguém a ser feliz. Liga o rádio para as notícias da manhã – invariavelmente nada de novo que mereça a sua atenção especial.

Para suavizar o tempo perdido naquela fila de trânsito interminável, coloca o seu CD preferido, aquele que lhe transmite a paz necessária para enfrentar o dia, que lhe faz pensar no significado das letras, uma a uma, e ao mesmo tempo que se revê numa grande parte delas, apercebe-se que para cada letra, existe uma pessoa ou situação específica, que bem identifica. Curioso, nunca se tinha debruçado muito sobre este tema. É mesmo verdade – canções não são mais do que o encarnar de situações verídicas, contadas em forma de música, que ou podem dar ainda mais brilho e emoção ao momento vivido, ou envolve-lo numa espécie de véu,  para o tornar menos doloroso.  E entre semáforos, paragens, avanços, automobilistas incautos e sem paciência logo cedo, perde-se na análise que faz da sociedade adaptada às faixas do “seu” CD.

 O “arruma” do costume no sítio do costume, indica-lhe o lugar. Conhecem-se já há alguns anos, tantos quantos começou a trabalhar naquele edifício de paredes brancas, janelas grandes, a abraçar a luz e a cor de uma cidade em permanente movimento. Depois do cumprimento matinal, percorre em passo rápido os cerca de duzentos metros que separam o estacionamento do portão de acesso àquele local onde tem sido tão feliz. Determinada, entra no elevador, na ânsia de transcrever todas as emoções  e pensamentos dessa manhã. Sabia bem como aplicá-los. O projecto começava a ganhar forma, as linhas mestras estavam traçadas, restava-lhe estabelecer alguns contactos  - tinha a certeza que sim! Este era mesmo o projecto da sua vida!

E trabalhou com afinco, com empenho desmedido, teve o reconhecimento dos seus parceiros, das entidades competentes, enfim, teve sucesso! Feliz, recordou, não sem alguma nostalgia, o dia em que teve que abandonar o seu País, a sua família e os seus amigos, para realizar o seu sonho e ter a sua oportunidade…..”

 

 

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