O silêncio tinha-se instalado
naquele vale verde ,quente, onde o rio, debruado de pedras irregularmente
dispostas, murmurava em surdina, um correr suave e cadenciado.
- Chhhhh...... não faças barulho. - Ao
longe, um cão ladrava, talvez pressentindo o ruído de um motor distante, que
viria certamente recortar aquele momento
de encanto. Vozes marcavam presença, num tom calmo e suave, ali à distância de
uns escassos cem metros, onde homens atarefados terminavam os afazeres do dia.
A seus pés, o rio, numa tranquilidade imensa, abraçava a plataforma onde se
tinham sentado. – Deixa ouvir - . Apenas uma espécie de gorgulhar e as
respirações se ouviam. Perfeito.
As suas pernas balançavam, livres,
com vontade de tocar o leito do rio. A noite era quente e em tudo convidava a
uma comunhão com a água. – Repara, os reflexos dos candeeiros do cais, parecem
figuras a flutuar no rio. – Verdade. As imagens que formavam e reflectiam,
desafiavam a imaginação e a criatividade. – Aquela parece uma vela de um barco;
olha, ali, a outra até dá a sensação de ser um manto; mas a que está mais
próximo do muro recorda-me o tronco de uma árvore centenária, despida, mas
vigorosa. - A lua subia por detrás da
montanha e iluminava o vale. As
tonalidades misturavam-se. Prata, ouro,
azuis e verdes, esbatiam-se, para mais
logo se firmarem.
- Estás bem? – Porque perguntas?
Claro que estou! – E um sorriso franco e intenso decorou-lhe o rosto bronzeado.
– Falas pouco, por isso perguntei. – Com os olhos bem abertos e sem deixar de
sorrir, olhou o ceú, deteve-se, respirou a plenos pulmões, e fixando-lhe os
olhos disse: - Sim, estou muito bem. Não falo porque estou a absorver o
silêncio e a paz deste vale. Este local tem magia. Repara nas cores, nas
sombras, nas estrelas, no rumor da água, sente o ar quente que desliza por nós,
ouve o silêncio… - Uma pausa. – Sabes,
para mim é importante. Revigora-me. Esta paz, esta tranquilidade,
devolve-me o equilíbrio que por vezes se vai perdendo ao longo do tempo, onde o
avolumar de problemas nos desgasta, onde as mil e uma situações a resolver, nos
cansam o cérebro, e que sem dúvida
alguma, por vezes nos provocam uma espécie de desejo de refúgio um tanto
anti-social, para que possamos recuperar a nossa energia, reencontrar o nosso
“eu”, e podermos prosseguir a viagem da vida com a serenidade necessária ao
raciocínio e às decisões importantes que diariamente nos desafiam. Experimenta fechar os olhos, encher o peito
de ar, abandonar-te ao silêncio, e não pensar em nada. Fica assim por uns
momentos. Se conseguires começa a seleccionar os barulhos que queres ouvir.
Atenção, são barulhos, não são ruídos. Percebes a diferença entre barulho e
ruído? – Mas não é o mesmo? – Não. O barulho provém de várias coisas, e pode
ser trabalhado e seleccionado mentalmente. O ruído é mais uma coisa
desagradável, que não controlas com tanta facilidade. É mais cerebral. Menos
racional, menos emotivo. – Ok, vou tentar perceber a diferença. Vou fazer como
sugeres. – Boa! Então fazemos em simultâneo: 3-2-1- fechar olhos, encher o
peito de ar, escutar o silêncio, pensamento vazio…
Um, dois, cinco, dez preciosos
minutos. Uma gargalhada sentida e lá de
dentro. – Então? Que me dizes? -
Fantástico! É mesmo uma sensação de alívio e de revigoração. Sinto-me mais
leve, sei lá… - É isso que se pretende.
– A noite tinha chegado a sério. O céu estava negro, mas pintado de uma
imensidão de estrelas e planetas, onde a luz prata da lua cheia irradiava em
todas as direcções, numa iluminação complementar aos escassos candeeiros
amarelos do cais. O ar quente que tocava a pele transpirada, convidava a um
molhar de pés, e assim foi. Que boa sensação aquela da liberdade de, quais
crianças, deixarem para trás o calçado, e se aventurarem a mergulhar os pés e
parte das pernas na água morna daquele rio que parecia falar. – E que tal? –
Estou a delirar. Leve, livre, muito bem. -
Repetiram este ritual durante os
dias seguintes. E cada noite era diferente. A luz brilhava de outra forma, o
céu nunca era igual, as estrelas cadentes apareciam de surpresa, a lua seguia a
sua trajectória, o vento quente que
pouco soprava tinha uma intensidade que
variava, os barulhos não soavam iguais, e o silêncio era aquele que se
dispunham a ouvir. Certo era mesmo a leveza, a paz interior, a liberdade, e o
equilíbrio que dia após dia lhes era devolvido por algo tão simples como a
natureza, o respirar, o estar, e o desprender a mente momentaneamente. Sim, aquela conjugação cúmplice, cheirava a
vida. Aquele vale debitava vida.
- Vou sentir falta e saudades
destes serões. Ensinaste-me a procurar e manter o equilíbrio na vida, como se
de um baloiço se tratasse, onde podemos balançar, quase voar, e enquanto “voamos”, é-nos permitido sonhar,
mas sem perdermos o chão como base.
Afinal, sempre que tiramos os pés do chão, é necessário equilíbrio. -
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