quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Silencioso Equilíbrio



O silêncio tinha-se instalado naquele vale verde ,quente, onde o rio, debruado de pedras irregularmente dispostas, murmurava em surdina, um correr suave e cadenciado.
 - Chhhhh...... não faças barulho.   -  Ao longe, um cão ladrava, talvez pressentindo o ruído de um motor distante, que viria certamente recortar aquele  momento de encanto. Vozes marcavam presença, num tom calmo e suave, ali à distância de uns escassos cem metros, onde homens atarefados terminavam os afazeres do dia. A seus pés, o rio, numa tranquilidade imensa, abraçava a plataforma onde se tinham sentado. – Deixa ouvir - . Apenas uma espécie de gorgulhar e as respirações se ouviam. Perfeito.
As suas pernas balançavam, livres, com vontade de tocar o leito do rio. A noite era quente e em tudo convidava a uma comunhão com a água. – Repara, os reflexos dos candeeiros do cais, parecem figuras a flutuar no rio. – Verdade. As imagens que formavam e reflectiam, desafiavam a imaginação e a criatividade. – Aquela parece uma vela de um barco; olha, ali, a outra até dá a sensação de ser um manto; mas a que está mais próximo do muro recorda-me o tronco de uma árvore centenária, despida, mas vigorosa. -  A lua subia por detrás da montanha e iluminava o vale.  As tonalidades misturavam-se.  Prata, ouro, azuis e verdes,  esbatiam-se, para mais logo se firmarem.
- Estás bem? – Porque perguntas? Claro que estou! – E um sorriso franco e intenso decorou-lhe o rosto bronzeado. – Falas pouco, por isso perguntei. – Com os olhos bem abertos e sem deixar de sorrir, olhou o ceú, deteve-se, respirou a plenos pulmões, e fixando-lhe os olhos disse: - Sim, estou muito bem. Não falo porque estou a absorver o silêncio e a paz deste vale. Este local tem magia. Repara nas cores, nas sombras, nas estrelas, no rumor da água, sente o ar quente que desliza por nós, ouve o silêncio… - Uma pausa. – Sabes,  para mim é importante. Revigora-me. Esta paz, esta tranquilidade, devolve-me o equilíbrio que por vezes se vai perdendo ao longo do tempo, onde o avolumar de problemas nos desgasta, onde as mil e uma situações a resolver, nos cansam o cérebro, e  que sem dúvida alguma, por vezes nos provocam uma espécie de desejo de refúgio um tanto anti-social, para que possamos recuperar a nossa energia, reencontrar o nosso “eu”, e podermos prosseguir a viagem da vida com a serenidade necessária ao raciocínio e às decisões importantes que diariamente nos desafiam.  Experimenta fechar os olhos, encher o peito de ar, abandonar-te ao silêncio, e não pensar em nada. Fica assim por uns momentos. Se conseguires começa a seleccionar os barulhos que queres ouvir. Atenção, são barulhos, não são ruídos. Percebes a diferença entre barulho e ruído? – Mas não é o mesmo? – Não. O barulho provém de várias coisas, e pode ser trabalhado e seleccionado mentalmente. O ruído é mais uma coisa desagradável, que não controlas com tanta facilidade. É mais cerebral. Menos racional, menos emotivo. – Ok, vou tentar perceber a diferença. Vou fazer como sugeres. – Boa! Então fazemos em simultâneo: 3-2-1- fechar olhos, encher o peito de ar, escutar o silêncio, pensamento vazio…
Um, dois, cinco, dez preciosos minutos.  Uma gargalhada sentida e lá de dentro. – Então? Que me dizes?  - Fantástico! É mesmo uma sensação de alívio e de revigoração. Sinto-me mais leve, sei lá… - É isso que se pretende.  – A noite tinha chegado a sério. O céu estava negro, mas pintado de uma imensidão de estrelas e planetas, onde a luz prata da lua cheia irradiava em todas as direcções, numa iluminação complementar aos escassos candeeiros amarelos do cais. O ar quente que tocava a pele transpirada, convidava a um molhar de pés, e assim foi. Que boa sensação aquela da liberdade de, quais crianças, deixarem para trás o calçado, e se aventurarem a mergulhar os pés e parte das pernas na água morna daquele rio que parecia falar. – E que tal? – Estou a delirar. Leve, livre, muito bem. - 
Repetiram este ritual durante os dias seguintes. E cada noite era diferente. A luz brilhava de outra forma, o céu nunca era igual, as estrelas cadentes apareciam de surpresa, a lua seguia a sua trajectória, o  vento quente que pouco  soprava tinha uma intensidade que variava, os barulhos não soavam iguais, e o silêncio era aquele que se dispunham a ouvir. Certo era mesmo a leveza, a paz interior, a liberdade, e o equilíbrio que dia após dia lhes era devolvido por algo tão simples como a natureza, o respirar, o estar, e o desprender a mente momentaneamente.  Sim, aquela conjugação cúmplice, cheirava a vida. Aquele vale debitava vida.
- Vou sentir falta e saudades destes serões. Ensinaste-me a procurar e manter o equilíbrio na vida, como se de um baloiço se tratasse, onde podemos balançar, quase voar,  e enquanto “voamos”, é-nos permitido sonhar, mas sem perdermos o chão como base.  Afinal, sempre que tiramos os pés do chão, é necessário  equilíbrio. -

Sem comentários:

Enviar um comentário