Percorri a muralha do castelo,
imponente e altaneiro. É estranho como lá no alto da pequena montanha, outrora fortificada para protecção do
território das sucessivas invasões, a sensação de paz e liberdade se entranha
na alma. Certamente que a geografia tem aqui uma forte componente. A imensa
paisagem em torno da muralha, erguida a uns oitocentos e cinquenta metros de
altitude, dá-nos uma amplitude magistral
sobre um horizonte sem fim, onde ao longe se vislumbram cadeias de montanhas
que recortam um cenário perfeito. O silêncio impõe-se ao redor, deixando que a
imaginação extravase o horizonte e se inebrie de histórias possíveis ou
impossíveis, mas que colocadas ali fazem todo o sentido. Na várzea avistam-se
hortas, pequenas quintas, lugarejos povoados por aqueles que resistentes, nunca
quiseram partir à procura de melhores condições de vida, nas cidades ou no
estrangeiro. Do outro lado, um campo de golfe a anunciar que afinal o tempo não
parou por estas bandas, e até há quem goste de desfrutar da qualidade, do sossego
e da hospitalidade das gentes puras e genuínas. Mais além adivinham-se
vestígios de uma antiga povoação romana, ou não fosse esta zona uma importante
via de circulação e de fixação de pessoas nos tempos de Júlio César. Era aqui
que passava a estrada romana que ligava Cáceres a Santarém.
Espanha de facto é logo ali. Aqui
no alto consegue-se seguir a estrada que conduz a nuestros hermanos, em não
mais do que dez minutos de carro. Outrora rota de contrabandistas, o caminho
entre La Fontañera, Galegos e Marvão está repleto de histórias de vida daqueles
cuja fonte de sustento era o transporte ilegal de bens, sobretudo o café, e
assim, a coberto da noite e de muitos perigos,
garantiam não só a sobrevivência das suas famílias, como também da parca
economia de toda uma comunidade. Já no topo norte da muralha, uma outra realidade. A majestosa Serra da Estrela, impõe-se ao fundo, depois de ser possível distinguir terrenos pedregosos
e inóspitos, onde em tempos os Lusitanos se esconderam e defenderam a terra
Lusa.
Tanta história… tanto património
… um encher o peito e respirar por todos os poros …
No meu imaginário e recorrendo-me
de todos os conhecimentos que fui adquirindo, das pesquisas e das muitas
conversas, consigo pintar estórias que depois quero escrever. Como precisava fazer este corte com o chamado
mundo real, e remeter-me a este espaço de paz e de silêncio, apenas
interrompido por um ou outro visitante mais barulhento…
Tenho na minha frente o pôr do
sol mais deslumbrante dos últimos anos. Por entre as ameias da muralha, o sol
cai lentamente num imenso céu azul laranja, pintando o horizonte de tons verde
dourado e cinza alaranjado. Não me canso de fotografar as várias etapas deste
fim de dia, sentado que estou no local mais privilegiado para tal. Uma tónica
gelada e alguns salgados fazem-me companhia neste terraço de alma, já que outra
companhia não tenho, a não ser a memória de quem partiu, mas persiste em ficar,
deixando-me o sentimento de que nunca a perdi.
De facto, todas as histórias de
amor têm personalidade própria. Têm um início, pelo fascínio, pela admiração,
pela descoberta do outro, e a não ser as histórias de amores enraizados e à
prova de tudo, todas, um dia terão um fim. Neste cadeirão virado ao pôr do sol,
recordo a sua presença, os seus olhos claros, a sua voz pausada, mas também as
suas incertezas, a insegurança e o sonho de encontrar a sua outra metade, em
alguém que roçasse a sua noção de valentia e segurança. Continuo a sentir-me
fascinado por aquele sorriso franco, pela compostura das suas frases, pela sua
doce fragilidade quase a implorar que lhe desse a mão e lhe mostrasse o caminho
da vida. Uma mulher-menina, que aprendi a amar, a aceitar e cuja separação me
provocou uma dor profunda. Conforta-me o facto de sentir que contribuí para o
seu crescimento interior, para a sua afirmação enquanto pessoa, e que hoje a
mulher-menina que guardo no peito e na memória,
é toda ela mulher. Desgraçado me senti quando percebi que a nossa
história tinha acabado. Uma página de vida arrancada ao caderno onde escrevo o
rascunho dos meus dias.
Neste refúgio de silêncio, de paz
e de natureza, longe do mundo “normal”, procuro aceitar uma separação que não
impus, apaziguar esta dor que me corrói e encontrar um novo sentido para a
vida.
E do alto da muralha, entre as
ameias onde o sol já teima em esconder-se, percebo que tudo na vida tem um
propósito. Escolhi um penhasco com um castelo encarrapitado, não para afogar as
minhas mágoas, mas sim para que toda a simbologia e espiritualidade do local,
me ajudem a conviver com a realidade, com a força das pedras e dos homens que
há muitos séculos atrás, ergueram esta fortificação. O vasto horizonte que vejo
mais não é do que o futuro ali, a meus pés, e que apesar dos pedregulhos espalhados
pelo caminho, existirá sempre um amanhecer e um por do sol para viver e
apreciar. Ainda que a tua memória me acompanhe…
Luís
Sem comentários:
Enviar um comentário