Estavam nervosos, embora
tentassem disfarçar e manter uma postura descontraída. Sabiam que o fim de
semana não seria fácil, como fácil não é qualquer despedida de quem se quer
bem.
- Já acabaste os telefonemas
todos?
“Quase todos. Só me falta ligar à
minha tia Maria, à Anabela, ao meu primo Manel, à Bibi e à irmã e…”
- Olha, e se deixasses os
telefonemas para depois?... Afinal, estes são os nossos dois últimos dias antes
de partires e desde que saímos de ainda não largaste o telefone cinco minutos…
Não pensei passar o fim de semana com um telefone, mas sim contigo… - Francisco
mostrava-se desgostoso e descontente. Apesar de compreender a partida de Luísa,
tinha imensa dificuldade em aceitar a distância que os ia separar por tempo
indeterminado. Era uma pessoa frágil e com algumas inseguranças, que tentava
encobrir através do seu lado mais extrovertido.
“Francisco, tens que perceber.
Quando terminar todas as chamadas, fico liberta para nós. É como se não
existisse telefone. Não fiques aborrecido, vá lá…” - Luísa era despachada, prática, não empatava
e tinha uma sinceridade tamanho do mundo nos olhos. Era uma pessoa de objectivos traçados, que tentava
cumprir a todo o custo. Não admitia falhas consigo própria, e por isso era
também muito exigente com as outras pessoas, sobretudo com as que lhe eram
próximas.
- Não é uma questão de ficar ou
não aborrecido. É sim questão de querer aproveitar todos os minutos que nos
restam, para estar contigo, sem interferências. Luísa, sabes o quanto me custa
a tua partida. Não quero falar disso agora, nem quero que te sintas mal por
isso, mas sonhei este fim de semana sem telefones, desculpa.
“ Ok…. Vou ser breve e dentro de
minutos sou toda tua, meu amor. Olha, queres ir marcando mesa no restaurante
onde costumamos ir quando cá vimos? Assim não corremos o risco de ter que ficar
na fila como na última vez. E se quiseres, podes encomendar o peixe também.”
Iria sentir falta da determinação
e afirmação de Luísa. Muito lhe devia do patamar de estabilidade a que tinha
chegado. Sempre tivera namoradas, umas giras, outras nem tanto, mas nenhuma
conseguiu chegar tão dentro como Luísa. A sua voz tranquila e limpa, penetrava-lhe os sentidos, deixando-o
perfeitamente desarmado e acalmando-lhe a inquietude inata. Passavam horas a conversar, e quanto mais
tempo passavam juntos, mais dificuldade Francisco tinha em se separar. Não
sendo psicóloga, foi Luísa que o estudou e o ajudou a caminhar numa fase de
alguma turbulência emocional, em que duvidada de si, da vida e da sociedade.
Revelou-lhe fraquezas, questões mal resolvidas, caminhos inseguros e ela,
sempre paciente e terna, foi ouvindo, questionando, ajudando e trouxe à tona um
novo Francisco, que agora, nervoso, sofria com a sua partida.
Tinha aceite uma bolsa fora do
país, ganha por mérito num trabalho de pesquisa em que se envolveu profunda e
apaixonadamente. Iria para Inglaterra dentro de dois dias, por tempo
indeterminado. Também lhe era difícil partir sem Francisco, mas se na vida
existem tempos para tudo, este era o tempo do grande desafio e enriquecimento
pessoal. Afinal, o seu eu dizia-lhe para ir, pois só poderia estar bem com os
outros, se estivesse bem consigo própria. E a bolsa ia fazer-lhe bem,
seguramente. Sentia-se estagnada num trabalho e numa cidade que nada tinham que
correspondesse aos desafios que ela própria se colocava. Apenas a prendia a
relação com Francisco, que, chegada a este patamar, se era verdadeira, tinha
forçosamente que sobreviver à distância. Afinal ir a Inglaterra faz-se com a
mesma naturalidade com que se viaja do Algarve ao Minho e até demora menos
tempo …
“ Ready. Terminei os
telefonemas.” – Abraçou Francisco, que a acolheu apaixonado. Olhou-a nos olhos,
beijou-a e com um afago doce e carinhoso apertou-a contra si, como se quisesse
absorvê-la e impedir que descolasse dele.
- A mesa está marcada e o peixe
encomendado, mas confesso que não saía daqui agora…
“Pois… eu também não… mas … é
melhor irmos. Aliás, acho que estou a ficar com fome. Sim, apetece-me o peixe e
um vinho branco gelado. Vamos!”
Teriam todo o fim de semana para
se amar, para se olhar, para se acariciar. Ao serão observariam a lua e sob a
sua luz perder-se-iam nas palavras, nos gestos, na respiração ofegante da
paixão. Era deles a certeza da cumplicidade e da força da relação que viviam. Se
Luísa era afirmativa e determinada, Francisco, aprendeu com ela que não existe
conselheiro e professor melhor do que o tempo. É ele que determina o rumo e
saber escutá-lo, no silêncio, é precioso.
Luísa e Francisco
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