quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Saber Escutar o Tempo


Estavam nervosos, embora tentassem disfarçar e manter uma postura descontraída. Sabiam que o fim de semana não seria fácil, como fácil não é qualquer despedida de quem se quer bem.
- Já acabaste os telefonemas todos?
“Quase todos. Só me falta ligar à minha tia Maria, à Anabela, ao meu primo Manel, à Bibi e à irmã e…”
- Olha, e se deixasses os telefonemas para depois?... Afinal, estes são os nossos dois últimos dias antes de partires e desde que saímos de ainda não largaste o telefone cinco minutos… Não pensei passar o fim de semana com um telefone, mas sim contigo… - Francisco mostrava-se desgostoso e descontente. Apesar de compreender a partida de Luísa, tinha imensa dificuldade em aceitar a distância que os ia separar por tempo indeterminado. Era uma pessoa frágil e com algumas inseguranças, que tentava encobrir através do seu lado mais extrovertido.
“Francisco, tens que perceber. Quando terminar todas as chamadas, fico liberta para nós. É como se não existisse telefone. Não fiques aborrecido, vá lá…”  - Luísa era despachada, prática, não empatava e tinha uma sinceridade tamanho do mundo nos olhos.  Era uma pessoa de objectivos traçados, que tentava cumprir a todo o custo. Não admitia falhas consigo própria, e por isso era também muito exigente com as outras pessoas, sobretudo com as que lhe eram próximas.
- Não é uma questão de ficar ou não aborrecido. É sim questão de querer aproveitar todos os minutos que nos restam, para estar contigo, sem interferências. Luísa, sabes o quanto me custa a tua partida. Não quero falar disso agora, nem quero que te sintas mal por isso, mas sonhei este fim de semana sem telefones, desculpa.
“ Ok…. Vou ser breve e dentro de minutos sou toda tua, meu amor. Olha, queres ir marcando mesa no restaurante onde costumamos ir quando cá vimos? Assim não corremos o risco de ter que ficar na fila como na última vez. E se quiseres, podes encomendar o peixe também.”
Iria sentir falta da determinação e afirmação de Luísa. Muito lhe devia do patamar de estabilidade a que tinha chegado. Sempre tivera namoradas, umas giras, outras nem tanto, mas nenhuma conseguiu chegar tão dentro como Luísa. A sua voz tranquila e limpa,  penetrava-lhe os sentidos, deixando-o perfeitamente desarmado e acalmando-lhe a inquietude inata.  Passavam horas a conversar, e quanto mais tempo passavam juntos, mais dificuldade Francisco tinha em se separar. Não sendo psicóloga, foi Luísa que o estudou e o ajudou a caminhar numa fase de alguma turbulência emocional, em que duvidada de si, da vida e da sociedade. Revelou-lhe fraquezas, questões mal resolvidas, caminhos inseguros e ela, sempre paciente e terna, foi ouvindo, questionando, ajudando e trouxe à tona um novo Francisco, que agora, nervoso, sofria com a sua partida.
Tinha aceite uma bolsa fora do país, ganha por mérito num trabalho de pesquisa em que se envolveu profunda e apaixonadamente. Iria para Inglaterra dentro de dois dias, por tempo indeterminado. Também lhe era difícil partir sem Francisco, mas se na vida existem tempos para tudo, este era o tempo do grande desafio e enriquecimento pessoal. Afinal, o seu eu dizia-lhe para ir, pois só poderia estar bem com os outros, se estivesse bem consigo própria. E a bolsa ia fazer-lhe bem, seguramente. Sentia-se estagnada num trabalho e numa cidade que nada tinham que correspondesse aos desafios que ela própria se colocava. Apenas a prendia a relação com Francisco, que, chegada a este patamar, se era verdadeira, tinha forçosamente que sobreviver à distância. Afinal ir a Inglaterra faz-se com a mesma naturalidade com que se viaja do Algarve ao Minho e até demora menos tempo …
“ Ready. Terminei os telefonemas.” – Abraçou Francisco, que a acolheu apaixonado. Olhou-a nos olhos, beijou-a e com um afago doce e carinhoso apertou-a contra si, como se quisesse absorvê-la e impedir que descolasse dele.
- A mesa está marcada e o peixe encomendado, mas confesso que não saía daqui agora…
“Pois… eu também não… mas … é melhor irmos. Aliás, acho que estou a ficar com fome. Sim, apetece-me o peixe e um vinho branco gelado. Vamos!”
Teriam todo o fim de semana para se amar, para se olhar, para se acariciar. Ao serão observariam a lua e sob a sua luz perder-se-iam nas palavras, nos gestos, na respiração ofegante da paixão. Era deles a certeza da cumplicidade e da força da relação que viviam. Se Luísa era afirmativa e determinada, Francisco, aprendeu com ela que não existe conselheiro e professor melhor do que o tempo. É ele que determina o rumo e saber escutá-lo, no silêncio, é precioso.
Luísa e Francisco

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