quinta-feira, 26 de março de 2020

Vertigem de Verão

Quase enlouqueci naquele Verão quente algarvio. Não com a loucura dita “normal”, nem com demências, mas uma loucura física e carnal. Não me transformei em lobisomem nem tão pouco me alterava em noites de lua cheia. A minha loucura tinha a ver com aquela que me servia de musa, me inspirava, me desgastava e me punha a cabeça completamente à roda.
Conheci-a na esplanada do café da praia, onde ao final de tarde costumava passar algum tempo entre leituras, tremoços e uma ou duas imperiais. Encontrando-se ocupadas todas as mesas, dirigiu-se a mim e perguntou se estava a aguardar alguém, ou se poderia ter a gentileza de permitir que ela se sentasse um pouco enquanto tomava algo fresco antes de descer ao areal.
- Estou absolutamente só. Claro que pode sentar-se. - Ajeitei uma cadeira, tirei as minhas coisas da mesa para fazer espaço, e fiz um gesto para que se sentasse.  - A tarde realmente está muito agradável aqui. Corre uma leve brisa que refresca o ar. Que deseja tomar?  - perguntei, fazendo jus ao meu carácter de cavalheiro.
- Não se incomode comigo. Eu já peço ao empregado. Pode continuar a ler tranquilo. Prometo não incomodar. Apenas queria sentar-me para refrescar um pouco.
- Ora essa. Não me incomoda nada, acrescentei, fechando o livro e colocando-o junto aos restantes pertences que ocupavam outra cadeira. Tinha um sorriso bonito e uma expressão de frontalidade. Estatura mediana, pele morena, olhos de um verde água que pareciam reflectir o vestido solto e vaporoso que usava. O rosto redondo emoldurado por caracóis largos a caír um pouco abaixo dos ombros. Tinha uma figura bonita. Tinha presença.
Pediu um sumo de melancia gelado com hortelã. Eu pedi mais uma imperial e salgados.
- Penso que não nos apresentámos. O meu nome é Vasco. Muito gosto.
- Ahah, é verdade. O meu nome é Sofia. O gosto é meu e eu é que agradeço a sua gentileza.
Tentei adivinhar-lhe a idade. A pele era jovem e fresca. Não havia sinal de uma ruga ou de um vinco na pele que não devesse lá estar. O cabelo não tinha pintura e era perfeitamente natural. Os olhos tinham o brilho de uma jovem adulta a descobrir a vida e o mundo. Talvez uns vinte e seis anos. Menos três ou quatro do que eu.
A conversa começou a fluír, primeiro sobre o tempo, o mar, o gosto pela praia, evoluindo para tempos livres, actividades, locais, enfim… uma conversa que começou a ser para “encher chouriços”, mas que se tornou numa agradável cavaqueira.
Já com o sol a baixar no horizonte, mas com o mar super tranquilo, descemos à praia e após caminharmos um pouco até encontrarmos um lugar com poucas pessoas onde tivessemos espaço em volta, abraçámos o mar num mergulho. 
Havia de ser o primeiro de muitos mergulhos e a primeira de muitas tardes e noites passadas naquele areal. Sofia era uma miúda simpática, culta e com quem dava gosto acompanhar. Estava sozinha de férias, a captar energias para um emprego onde tinha sido aceite e que iria iniciar no mês seguinte. Eu lá lhe contei um pouco da minha história, que também estava de férias sozinho, que o meu trabalho era de free lancer, e portanto não tinha horários nem compromissos temporais rígidos. Que a leitura era o meu refúgio, mas não dispensava uma boa música,  um bom filme e uma boa conversa.
- Vasco, sei de um bar com música ao vivo de excelente qualidade. Queres ir comigo? (Podemos tratar-nos por tu não podemos?)
- Podemos claro! Um bar com música ao vivo? Qual? Conheço quase todos.
Combinámos hora e local para nos encontrarmos. Caprichei no duche, no cabelo e na roupa. Estava nervoso. Aquela miúda tinha um magnetismo muito forte. Sentia-me atraído por ela. Uma atracção física mas não só. As conversas dela tinham sentido, tinham corpo. Via-se que não era uma daquelas raparigas ocas, superficiais e fúteis. Era inteligente. E para mim, inteligência aliada ao físico, desafiava-me. Imaginava-me envolto nos seus caracóis desalinhados. Agarrá-la, abraçá-la, senti-la.
À hora marcada lá estávamos os dois, perfumados, bronzeados, confortavelmente vestidos e prontos para agarrar a noite e o que ela tivesse para nos dar. A banda jazz era de facto muito boa. O som não estava demasiado alto e permitia que trocássemos palavras, cúmplices de pequenos gestos a denotarem o desejo crescente em cada um de nós. Agarrou-me na mão, pagámos na saída e fui literalmente arrastado por Sofia para o seu hotel.
Apressadamente tirou-me a roupa, desprendeu os botões do vestido e mergulhámos um no outro numa espécie de loucura. Sofia tinha uma sensualidade enorme, o toque da sua pele morena excitava-me e possuía-me os sentidos e o corpo.  Foi talvez a noite mais alucinante da minha vida. Sofia comandava a nossa entrega mútua. Do chão fizemos cama e da cama fizemos o nosso palco.
Nos dias seguintes apenas ia a casa para trocar de roupa, e até mesmo o tempo que estava sem Sofia junto a mim, parecia uma eternidade. Queria senti-la, cheirá-la, entrar nela e nela permanecer. Queria tê-la nua junto a mim. Ouvir os seus gemidos de prazer e os seus gritos de dor quando insistente continuava a devorar-me.
O tempo era nosso, e tanto podia sê-lo no quarto do hotel, como num qualquer canto escuro da praia, ou até mesmo no mar. O calor dos nossos corpos era capaz de incendiar.
Uma manhã ao acordar não senti Sofia na cama. Ter-se-ia levantado mais cedo? Com que propósito? Olhei em volta e pareceu-me que o quarto estava demasiado arrumado. Levantei-me e foi como se tivesse sentido uma vertigem daquelas que aparecem do nada  e permanecem, tirando-nos a luz dos olhos e as forças. Nada. Não havia nem um objecto, nem uma peça de roupa de Sofia. Um cima da mesa um bilhete “Vasco, és uma pessoa especial que guardo no meu coração. Os dias que passámos foram também eles especiais e jamais os esquecerei. O que me esqueci foi de te dizer que ontem tinha uma mensagem a avisar que deveria apresentar-me no trabalho amanhã às 9h e que o voo estava marcado para hoje às 10h. Quando adormeceste arrumei as coisas e saí. Não gosto de despedidas. Não irei esquecer-te e não te direi adeus, mas sim até já”.

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