Sentados naquele pedaço de rocha,
com os pés a roçar o mar de um verde imenso, e com o olhar preso no horizonte,
percorríamos as nossas vidas.
Tínhamos assentado arraiais num
parque de campismo não muito longe do mar e próximo de uma povoação que nos
pudesse servir de base para as refeições. Estávamos ali há quatro dias e tínhamos como
rotina diária, levantar cedo e caminhar ora junto à orla marítima, ora pela
serra que a poucos quilómetros, oferecia paisagens indescritíveis, por entre
trilhos, cascatas, subidas e descidas, vegetação das mais variadas espécies, e
um ar leve e perfeitamente respirável.
O dia anterior tinha sido
cansativo pelos muitos quilómetros percorridos e resolvemos dar-nos uma ligeira
folga. Almoçámos numa das tascas da aldeia e caminhámos em direcção à praia.
Não havia muitos veraneantes e o areal estendia-se por entre os dois molhes de
rochas, tão naturais e tão perfeitos, que parecia terem ali sido colocados de
propósito a formar a pequena baía. Estava bonito o mar. Uma leve ondulação
serena, de um verde intenso e cheiro profundo. Ali sim, o mar cheirava a
verdadeiro. Por entre salpicos, e com a
maré a descer, escolhemos como plateia daquele horizonte sem fim, a rocha de um
dos molhes. Por entre brincadeiras e conversas, o tema foi ficando mais sério,
e a tarde acabou meio reflexiva, meio angustiada, ante a realidade de cada um
de nós.
Conhecemo-nos na faculdade e
anualmente programávamos entre uma semana e semana e meia para férias em
conjunto. Se de início as preocupações não eram muitas, já que os tempos de
lazer eram ainda custeados pelos nossos pais, ou complementados com uns trocos
de trabalhos esporádicos que arranjávamos para o efeito, com o correr dos anos,
as necessidades foram aumentando e a forma como encarávamos a vida começava a
alterar-se. Tínhamos crescido numa classe média ascendente, onde o poder e o
consumo foram igualmente ascendentes. A juventude afigurou-se-nos fácil, pois
tudo tínhamos ao nosso alcance. A sociedade, ela própria, se encarregava de
fomentar a competição, o consumismo, e quis convencer-nos de que a nossa
geração seria pujante. Um perfeito engano. Por entre as curvas dos índices e
dos raitings, concluímos as nossas licenciaturas e a nossa aspiração seria
entrar no mercado de trabalho, nas nossas áreas de formação. Novo engano. A
malha apertava. A dificuldade crescia.
Do nosso grupo de seis, dois eram
engenheiros civis, três arquitectos e um licenciado em filosofia. Passaram três anos desde que recebemos os
nossos “canudos”. Por entre estágios, part-times, trabalhos precários e uma
grande vontade, fomos, cada um à sua maneira, tentando construír uma vida, que
cada vez mais, víamos adiada. Alguns permaneciam em casa dos pais, pois era
manifestamente impossível sobreviverem sozinhos. Os que conseguiram o feito de
arranjar o seu espaço, contavam os cêntimos e viviam uma vida de privações.
Afinal, a ideia de plenitude que nos tinham “vendido” durante anos, era uma
perfeita mentira. Aquela sociedade onde crescemos, não mais era do que uma
fachada utópica de algo que era impossível prosseguir. Pior, a falta de valores
humanos a ela associada, veio revelar a hipocrisia, a ruindade e tudo aquilo
que de pior há na espécie humana. A ambição desmedida e a falta de lisura por
parte daqueles que emergiram, teve consequências nefastas para a vida de grande
parte da população.
Hoje, temos trinta anos e as
nossas vidas continuam adiadas. Hoje, olhamos para o imenso horizonte verde que
temos em frente, e sentados na rocha, pensativos e preocupados, perguntamos
como vão ser, para onde vão caminhar e de que serão feitas a nossas vidas…
O pôr do sol começou a
desenhar-se. A maré baixou de vez. O parque de campismo dista três quilómetros
e a aldeia dois. Já comíamos qualquer
coisa…
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