quinta-feira, 2 de julho de 2020

Uma Alvorada no Peito


Tenho saudades de ver o mar.
Tenho saudades do vento, da brisa, do cheiro, da cor,  da espuma das ondas a bater na rocha.
Tenho saudades da simplicidade de gostar do mar só porque sim, e da paz que só os simples e sensíveis conseguem atingir através de uns meros borrifos que assentam na pele.
Quis o acaso ou o destino que partisse para longe, para um interior geográfico onde a maior quantidade de água, em forma de lago artificial, fica a cerca de mil quilómetros.
Confesso de no início me era completamente indiferente esta interioridade, tal a necessidade de afastamento, quase reclusão, que sentia. O burnout  tinha - me despido da mais elementar capacidade de conviver normalmente,  de sair de casa e de enfrentar as mesmas caras, as mesmas ruas e os mesmos edifícios. Falar com quem quer que fosse era para mim uma tarefa tão dolorosa, como doloroso era sentir-me de uma inutilidade extrema. Não conseguia pensar, trabalhar ou organizar o meu dia a dia. Sentia que a única hipótese era fugir para longe e tentar reencontrar-me algures pelo mundo. Nem a expressão lacrimejante da minha mãe me demoveu. Ela, que me conhecia tão bem, que era o meu porto de abrigo, o meu colo, a minha crítica e a minha âncora.
Dizem que se tem instinto de mãe. Eu não lhe chamarei instinto. Chamo-lhe antes uma força que nos agarra, mas que em simultâneo nos liberta para a vida, nos desperta enquanto nos acarinha, nos aconchega no sofrimento e que com um olhar de luz, nos indica o caminho.
Todas as manhãs caminhávamos à beira mar. Era um hábito e um ritual que mantivemos durante anos, desde que pela primeira vez ousei querer ter uma vida independente e arrendei um pequeno apartamento em frente à praia.  O cheiro do mar e a brisa inspiravam as nossas conversas, ou apenas eram cúmplices quando caminhávamos em silêncio. Não que tivéssemos qualquer tipo de constrangimento, mas porque com ela aprendi a ouvir o silêncio das manhãs, que pode dizer muito mais do que palavras proferidas de viva voz.
Senti uma espécie de culpa ao antever-lhe o sofrimento provocado pela minha partida. Sabia-a preocupada com o meu estado anímico, mas se há coisa que sempre lhe admirei, foi a capacidade de  lidar com as situações adversas, encontrando sempre um caminho alternativo ainda que a luz para a solução estivesse envolta numa neblina cerrada.
De facto, não era a primeira vez que partia. Estava já habituada a ver-me partir e voltar. Sempre serena, sempre meiga, sempre com o abraço que conforta e nos diz “estou aqui”. Extraordinária capacidade esta das mães, que apesar de feridas, continuam a dar-nos  o seu colo para nele nos prendermos à vida e nos estendem o regaço para nele enxugarmos as lágrimas da tristeza e da falsidade.
Passaram dois longos anos desde a última caminhada na praia.
Tenho saudades do mar, do vento, da brisa, do cheiro, da cor, da espuma das ondas,  das coisas simples, da paz.
Tenho saudades do abraço, do colo, do regaço.
Já se anuncia a manhã. Uma alvorada que me bate no peito, me acelera a respiração e me provoca um agradável nervoso miudinho, ao pensar que estou quase a chegar.
Sinto-me bem.
“Bom dia minha querida mãe! Sabia que estarias aqui… O mar está lindo ...”
Manuel

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